46440 - SERVIÇO DE ABORTO LEGAL NO ESTADO DO CEARÁ: AVANÇOS, OBSTÁCULOS E DESAFIOS MELISSA MACIEL FERNANDES - IFF/FIOCRUZ, CLÁUDIA BONAN - IFF/FIOCRUZ
Apresentação/Introdução Ainda que o aborto provocado seja considerado crime no Brasil, o Código Penal (BRASIL, 1940) prevê sua legalidade nas situações em que a gravidez é resultante de estupro e quando não há outro meio de salvar a vida da gestante. Também é possível interromper a gestação de fetos anencéfalos (STF, 2012) e em situações de malformações fetais graves, com autorização judicial (STJ, 2016). Contudo, há barreiras para a realização de aborto legal, como falta de conhecimento por parte da sociedade sobre a legislação, falta de profissionais treinados, uso abusivo da objeção de consciência, barreiras administrativas, tabus e estigmas que envolvem o aborto. Além disso, há pouca transparência das práticas desses serviços, devido à má qualidade de registros sobre aborto legal.
Objetivos Nesse trabalho, serão apresentados resultados parciais de uma pesquisa cujo objetivo geral é compreender avanços, obstáculos e desafios do cuidado prestado ao aborto legal em um serviço de saúde no estado do Ceará.
Metodologia Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com desenho de estudo de caso, desenvolvida em uma maternidade referência em aborto legal no Ceará. Os critérios de seleção do campo são: estar sediada em Fortaleza, em funcionamento desde antes da pandemia de COVID-19, ter integrado o projeto Apice On - Aprimoramento e Inovação no Cuidado e Ensino em Obstetrícia e Neonatologia, e estar integrando à Rede Pontos de Luz, rede estadual e intersetorial especializada em acolhimento e tratamento de sobreviventes de violência sexual. A coleta de dados se dá em três frentes, considerando fontes documentais (protocolos, fluxogramas, e outros documentos), observacionais, com análise sistematizada da observação da infraestrutura e da ambiência, guiada por roteiro, e orais, com realização de entrevistas semiestruturadas de profissionais de saúde e gestores, avaliadas pode meio de análise de conteúdo temática e de análise de relatos orais.
Resultados e discussão Temos como resultado parcial da pesquisa a análise de dois documentos da maternidade, intitulados “Violência sexual” e “Abortamento”. Assinam como autoras do protocolo de violência sexual, dez profissionais, todas mulheres, três psicólogas, três assistentes sociais, duas médicas e duas enfermeiras. No documento, não há menção a referências ao quadro normativo-legal. Os referenciais técnicos são documentos do Ministério da Saúde do Brasil, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e uma referência específica relacionada ao HIV. Há menção à realização de testes rápidos e exames laboratoriais, sem especificá-los de maneira objetiva. O documento traz a possibilidade da interrupção legal da gestação, mas não o detalha e aborda as profilaxias a serem realizadas: contra gravidez indesejada, HIV, hepatite B, sífilis, tricomoníase, gonorreia, clamídia, cancro mole, e tétano. Há orientação para que sejam adotadas posturas livres de julgamento, reforçando que o acolhimento de sobreviventes de estupro é delicado e singular. Embora a autoria do documento reflita a multidisciplinariedade da equipe, que consta com as quatro áreas profissionais previstas e recomendadas pelo Ministério da Saúde para atendimento à sobreviventes de estupro, ele não consegue se destacar da visão tecnicista sobre a temática, tendo questões médicas preponderantes no documento. Já o protocolo “Abortamento” é assinado por três mulheres e um homem, todos médicos, e trata de todos as classificações de abortamento, incluindo o abortamento legal, que é colocado como um direito por risco materno, por gestação após estupro, por feto com malformação incompatível com a vida e por anencefalia fetal. A orientação quanto às técnicas de interrupção inclui a farmacológica, com uso de misoprostol e cirúrgica (AMIU e curetagem). Não há fluxogramas assistenciais nos documentos, assim como não há menção sobre referência e contrarreferência para outros serviços, somente garantia de acompanhamento, por aproximadamente seis meses, pela própria equipe do hospital. Há um foco, em ambos os protocolos, na garantia da privacidade, sigilo e no atendimento multiprofissional, apesar do documento “Abortamento” só contar com autores médicos.
Conclusões/Considerações finais É interessante constatar que, apesar do crescimento recente do número de projetos de lei na esfera federal que buscam restringir o acesso ao aborto, o estado do Ceará se destaca dessa realidade a partir de iniciativas de estruturação da Rede Pontos de Luz e da expansão do número de serviços cadastrados para realizar aborto legal. Espera-se que esse estudo de caso aponte os avanços conquistados não só no serviço pesquisado, mas em toda a rede assistencial, identifique os obstáculos a serem ultrapassados, e sirva como referência para traçar estratégias de melhorias nos cuidados às situações de aborto legal.
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