Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC16.3 - Atenção à Saúde Sexual e Reprodutiva: desigualdades e estigma

47003 - MARCAS E ENFRENTAMENTOS: VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA, MULHERES INDÍGENAS E REFLEXOS EM SAÚDE NA AMAZÔNIA URBANA
NATALIA FARIAS - FSP-USP, DANIELLE ICHIKURA - FSP-USP, JOSÉ MIGUEL NIETO OLIVAR - FSP-USP


Apresentação/Introdução
A Violência Obstétrica é um tipo de violência de gênero que ocorre predominantemente em instituições de saúde, onde mulheres durante o ciclo gravídico puerperal e principalmente no momento do parto são submetidas a negligência médica, violência psicológica, apropriação dos direitos reprodutivos através de uma atenção mecanizada e tecnicista do parto, ameaça, coerção, condutas médicas desatualizadas e até mesmo violência física e sexual. No Brasil, cerca de 25% das mulheres sofrem algum tipo de violência durante o parto, sendo que a condição socioeconômica, o recorte étnico e de raça acentua as submissões e violências nas quais mulheres indígenas são atravessadas durante o parto nos serviços de saúde, sendo que essa tem cerca de 5 vezes mais chances de morrerem no parto, que mulheres brancas. Neste sentido, é importante compreender como a cidade de São Gabriel da Cachoeira no estado do Amazonas, configurada como a região mais indígena no Brasil por concentrar 23 povos indígenas, compreende e enfrenta essa situação de importante relevância para a saúde coletiva.

Objetivos
O objetivo deste trabalho é conhecer e compreender as relações das instituições sanitárias na cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM) e seus efeitos nos corpos de mulheres indígenas em idade reprodutiva sobre seus processos de gestação e parto nesta região do Alto Rio Negro.

Metodologia
Esta pesquisa reúne além da coleta de dados bibliográficos dois percursos de campo etnográfico realizados pelas pesquisadoras Danielle Ichikura e Natalia Farias em Manaus e São Gabriel da Cachoeira entre 2020 e 2023 - que está em andamento. Os processos de fazer etnografia não consistem em apenas realizar uma prática descritiva, mas sim de localização de contextos e desafios, afeto mútuo, constituição de alianças efetivas e conexões parciais entre pesquisadores e interlocutores, que dificilmente podem ser replicados de forma idêntica.
No primeiro momento de campo a pesquisa se direcionou mais especificamente às mulheres Yanomami e suas redes de saúde, no segundo momento a pesquisa tem direcionado à mulheres da cidade de forma mais ampliada, direcionando mais a atenção aos serviços de saúde como Hospital de Guarnição de São Gabriel da Cachoeira (HGU), Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) e Centro de Saúde Indígena (CASAI)


Resultados e discussão
Durante o trabalho de campo realizado em Manaus, foi possível notar a ausência da discussão sobre a violência obstétrica quando relacionado a recortes específicos de mulheres (indígenas, negras, ribeirinhas, entre outras). Os debates sobre o tema e o acesso a denúncias, são protagonizadas por mulheres majoritariamente brancas, não indígenas, moradoras da capital. O apagamento do problema está inclusive nos movimentos de mulheres indígenas em São Gabriel da Cachoeira que até o percurso do primeiro trabalho de campo não pautavam a questão da violência obstétrica, não havendo comunicação entre os movimentos de humanização do parto entre mulheres não indígenas e indígenas. Porém, já no segundo percurso a temática vem se apresentando também como mobilizadora das mulheres indígenas, de organizações não governamentais e das políticas públicas do estado do Amazonas a fim de compreender melhor o tema no território indígena.
Embora as políticas avancem na capital do estado, com a implementação de dois dispositivos legais sobre a lei do parto humanizado e a implementação do aceite do Plano de Parto Individual em todas maternidades, a violência obstétrica cometida contra mulheres na cidade está longe de ser registrada em dados oficiais, ainda não está conectado as diversas outras formas de violência de gênero abordadas pelo Observatório da Violência de Gênero no Amazonas, mas é muito presente na boca das mulheres indígenas. Assim como as práticas silenciadas de violência sexual e feminicídios em São Gabriel da Cachoeira, já relatadas por outros pesquisadores.



Conclusões/Considerações finais
A promoção de rodas de conversa com mulheres Yanomami presentes na cidade durante o primeiro campo, a fim de tentar compreender e acessar os registros memoriais de eventos de violência obstétrica, mostrou que embora a violência obstétrica não aparecesse como um mobilizador nas lutas contra violências cometidas contra elas, os efeitos, lembranças e confrontos de casos violentos foram relatados por várias mulheres, e a falta de preparo do hospital local e dos demais estabelecimentos de saúde (compreendidos como sanitariamente precários) para o atendimento de mulheres indígenas durante o parto foi enfatizada como problema tanto pelas mulheres, como por profissionais que mantinha relações aproximadas com o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Yanomami. Já no segundo campo, mais dados sobre os serviços de saúde tem sido levantados, incluindo mulheres de outras etnias e diversas idades. A violência Obstétrica é assunto que tem se tornado importante para as pautas do departamento de mulheres e relevantes para as discussões do atual quadro de saúde publicada cidade.