Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC18.1 - Comunicação, saúde e interdisciplinaridade

47306 - BLACKWASHING: AS CORPORAÇÕES DE ALIMENTOS E BEBIDAS ULTRAPROCESSADAS E ALCÓOLICAS ESTÃO MESMO ENGAJADAS NA PAUTA DE JUSTIÇA RACIAL?
LETÍCIA DE FREITAS PORTUGAL - UFF, CAMILA DE PAULA PINTO DA CONCEIÇÃO - UFF, VITÓRIA LÚCIA SILVA DE MORAES - UFF, CAMILA MARANHA PAES DE CARVALHO - UFF


Apresentação/Introdução
As ações políticas corporativas (APCs), consistem no conjunto de atividades desempenhadas pelas indústrias de produtos não saudáveis, em prol de seus próprios objetivos, mesmo que estes se contraponham aos interesses da saúde pública. Por meio das APCs, as corporações conseguem interferir, atrasar e barrar o avanço de políticas públicas de promoção da saúde, especialmente em países de baixa e média renda, onde as políticas regulatórias tendem a ser menos rígidas. A compreensão da magnitude das APCs configura uma ferramenta de promoção da saúde pública, mas apesar da importância do debate, o tema ainda é pouco debatido no Brasil. Porém, no Brasil, os casos de APCs são poucos explorados.
Através de campanhas de marketing e publicidade, as corporações vêm investindo em ações de social washing, com o objetivo de construir uma boa imagem perante à opinião pública e aos decisores políticos, como uma tentativa de evitar regulamentações governamentais. Diante da emergência do debate racial, especialmente após aos grandes protestos do BlackLivesMatter, como resposta ao assassinato de George Floyd, as corporações vêm aderindo à agenda, a partir do engajamento em ações de promoção da equidade racial nos espaços institucionais e maior representatividade em campanhas de publicidade. Nos referimos ao fenômeno como ações de blackwashing, como neologismo ao greenwashing, com ações que tocam o racismo na superficialidade mas não enfrentam o problema em sua estrutura.

Objetivos
Investigar as ações de blackwashing de sete grandes empresas da indústria de alimentos ultraprocessados e bebidas alcoólicas do Brasil que se comprometeram com o projeto ‘Movimento pela Equidade Racial’ (Mover), iniciativa lançada em 2021, com o intuito de promover a equidade racial nos ambientes corporativos.

Metodologia
Foi realizada uma análise documental nos relatórios anuais corporativos, produzidos entre 2019 e 2021, das maiores empresas de alimentos ultraprocessados e bebidas açucaradas e alcoólicas do Brasil comprometidas com o projeto MOVER, sendo elas: AMBEV, Coca-Cola, Nestlé, JBS, Grupo Carrefour, Heineken e Diageo. As APCs foram classificadas de acordo com a categorização proposta por Mialon et al. Os dados foram sistematizados em um roteiro de análise, com o auxílio do Google Sheets onde os documentos foram destrinchados em: título do documento, a quem se dirige, principais objetivos, questões de equidade e representatividade racial, saúde e nutrição e dados de atuação das empresas na sociedade, na justiça, nos dados e na política, envolvendo a população negra no Brasil.

Resultados e discussão
Ao todo, foram analisados 24 relatórios anuais, sendo encontradas 74 APCs relacionadas às questões raciais desenvolvidas no Brasil, no período de 2019 a 2021. Foi possível observar uma grande discrepância entre o número de medidas propostas pelos diferentes atores, com menor engajamento por parte da Nestlé, JBS, Coca-Cola e Diageo; e maior engajamento da Ambev, Grupo Carrefour e Heineken, ainda que seus planos de ação fossem pouco explicativos.
Foi observado o aumento do engajamento na pauta após 2020, devido à ampliação do debate racial no país, por conta das grandes manifestações de 2020, ocorridas em resposta aos assassinatos de George Floyd, nos EUA, e de João Alberto Freitas, em uma das lojas do Grupo Carrefour, em Porto Alegre (RS). Os resultados mostram um grande volume de ações envolvendo o patrocínio de eventos culturais e esportivos, sinalizando a utilização do discurso antirracista em momentos pontuais e em ações que não geram impacto significativo na vida da população. Ainda há o uso extensivo de influenciadores negros nas propagandas dos produtos.
As práticas desenvolvidas pelas empresas ocorrem de acordo com seus interesses comerciais e financeiros onde, as mesmas agem cada vez mais como componentes políticos com capacidade de moldar a economia e, consequentemente, a formulação de políticas públicas de saúde. O Dossiê Big FOOD, desenvolvido pela Aliança de Controle contra o Tabagismo (ACT Promoção da saúde) em parceria com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), aponta a importância da inclusão da sociedade civil e dos movimentos sociais no monitoramento das atividades das indústrias.

Conclusões/Considerações finais
A investigação mostra que algumas corporações apresentaram ações de fomento à equidade racial, mas com metas evasivas. Os resultados apontam que, as corporações estão utilizando a pauta como ferramenta de autopromoção, de maneira a melhorar suas respectivas imagens diante da opinião pública, e antever políticas regulatórias em relação à equidade nos espaços corporativos. O estabelecimento de laços com o público possibilita a ampliação das ações corporativas, ao mesmo tempo em que apresentam mudanças pouco efetivas no racismo. O estudo traz um tema inovador, que explora ações corporativas de blackwashing em cima de pautas que estão movimentando opiniões públicas, através de um sistema estruturado na exploração, opressão e prejuízo à saúde de pessoas negras.