Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC2.2 - Metodologias e estratégias para ampliação da participação social no SUS

46008 - PARTICIPAÇÃO POPULAR EM SAÚDE MENTAL: A PERSPECTIVA DO USUÁRIO
BRUNA BOUZADA ROMANO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, OCTAVIO DOMONT DE SERPA JUNIOR - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO


Apresentação/Introdução
Apesar de ser um direito desde a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), pesquisas apontam que a participação da população nas políticas públicas de saúde tem sido um grande desafio. Quando se trata de pessoas em sofrimento psíquico, a ideia de desrazão socialmente relacionada à elas intersecciona-se com outros marcadores como raça, classe, gênero, idade, localidade e capacidade, fazendo com que o saber advindo de sua experiência seja, muitas vezes, destituído da possibilidade de contribuir para decisões a respeito dos serviços e políticas de saúde mental.

Objetivos
Este trabalho, fruto de uma pesquisa de doutorado (parecer 5.479.647) desenvolvida junto a um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) no município do Rio de Janeiro, tem como objetivo discutir aspectos da experiência de usuários deste serviço nas assembleias e conselho gestor existentes neste serviço.

Metodologia
A pesquisa foi realizada em quatro momentos. No momento dos levantamentos foram coletadas informações sobre espaços de participação existentes nos CAPS do município e uma revisão narrativa das pesquisas sobre participação e saúde mental publicadas de 2010 - 2020. Durante o momento de observação, a pesquisa se debruçou sobre o funcionamento do conselho gestor (por 1 ano e 6 meses) e da assembleia (durante 6 meses) de um CAPS, tendo como instrumentos de pesquisa um guia de observação construído pela pesquisadora e o diário de campo para o registro. Já no momento das entrevistas, os dados foram coletados a partir de um roteiro semi-estruturado, gravados e transcritos e em seguida, foram elaboradas narrativas para cada um dos 7 usuários entrevistados. Cada narrativa foi lida e discutida com o participante para sua aprovação e sugestões. Por fim, os grupos de discussão foram o momento participativo da pesquisa, onde foram elaborados 4 textos-síntese com os usuários co-pesquisadores com temáticas escolhidas por estes. Em diálogo com o pensamento freiriano, o conteúdo dos textos-síntese foi definido a partir da decomposição dos temas em subtemas, procurando criticamente estabelecer relações entre eles.

Resultados e discussão
Os resultados apontam que o modo democrático como o serviço funciona, centrado no usuário e em suas necessidades, cria condições para que o usuário sinta-se convocado a participar nas assembleias e no conselho gestor. Além disso, o desmonte ocorrido nos últimos anos e o impacto sentido pelos usuários na forma do cuidado prestado também foram um estímulo para que se interessassem em participar. Assim, o momento de retomada democrática se mostra favorável para intensificar os processo de participação que acontecem dentro dos serviços, tendo em vista que fortalecê-los em âmbito local pode ampliar as condições de usuários dos serviços de saúde mental ocuparem com seu saber outros espaços como as Conferências e Conselhos. A assembleia e o conselho gestor são espaços de acolhimento e de troca, onde há a livre circulação da palavra mas a tomada de decisão nem sempre é elaborada coletivamente e por vezes ainda é entendida como uma função dos trabalhadores e da gestão do serviço. A compreensão de que a possibilidade de participação é determinada por diversos fatores e que somente participando é que se aprende a participar, indica que as dificuldades não devam ser tratadas como erro, mas como uma bússola que aponta para a necessidade de ativamente fortalecermos a participação em sua radicalidade no cotidiano dos serviços de saúde mental. Diferentes marcadores sociais se interseccionam e fazem com que os usuários tenham diferentes condições de participação, o que inclui o acesso a um ambiente que o possibilite discutir e decidir, mas também uma dimensão subjetiva de se reconhecer como alguém que pode discutir e decidir. As assembleias e conselho gestor são dispositivos que possibilitam que o usuário aprenda a participar e também que vá reconhecendo a dimensão política de sua existência, lançando luz a importância de seus saberes. Esse processo, que inicialmente se dá individualmente, vai se coletivizando através do exercício crítico e dialógico: passa por reconhecer a experiência do outro em sua semelhança e em sua diferença, pelo entendimento da importância da escuta para a tomada de decisão para enfim indicar a importância da ação coletiva para que o CAPS esteja de acordo com as necessidades dos usuários.

Conclusões/Considerações finais
Conclui-se que participar tem repercussões políticas, sociais, culturais e subjetivas não pela simples existência dos dispositivos de participação mas fruto de um modo de funcionamento desses dispositivos que realiza a sua dupla função de participar e aprender a participar bem como sua possibilidade de evidenciar as formas como o poder se distribui. Paulatinamente, ao incluir a experiência do usuário como um saber válido para a tomada de decisão, tais espaços produzem brechas e deslocamentos num processo que, por ser dialógico e crítico, amplia as condições de participação dos usuários e também modifica seu interlocutor, o trabalhador de saúde.