02/11/2023 - 08:30 - 10:00 COC20.1 - Políticas da reprodução e governança reprodutiva |
46537 - REFLEXÕES SOBRE A ASSISTÊNCIA AO ABORTO NO BRASIL A PARTIR DA GESTÃO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE DO GOVERNO DE JAIR BOLSONARO ANA CLARA CHAVES DE OLIVEIRA - UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO, PATRÍCIA OLIVEIRA LIRA - UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO
Apresentação/Introdução No que se refere ao campo das políticas públicas, a saúde da mulher se inseriu na pauta no início do século XX, mas ainda restrita a uma lógica do corpo feminino enquanto reprodutor. Nas últimas décadas, fruto das lutas dos movimentos feministas e sanitários, houve a inclusão das pautas reprodutivas nas políticas públicas em saúde da mulher, assim como a ampliação da oferta de serviços para o abortamento legal no Brasil. Apesar dos avanços, os últimos anos nos alertaram para a ameaça que mulheres enfrentam no que se refere à restrição do acesso ao aborto legal no Brasil e no mundo. A questão disparadora deste estudo foi suscitada a partir da experiência, enquanto psicóloga, numa residência multiprofissional em Saúde Coletiva, atuando em locais de gestão em saúde pública. Nesse período, a gestão do Ministério da Saúde (2019-2022) lançou oficialmente alguns documentos direcionados ao atendimento às mulheres que procuram realizar o aborto legal no SUS, trazendo a temática do aborto para o centro do debate político em um verdadeiro jogo de forças ideológicas.
Objetivos A partir da compreensão do direito ao aborto enquanto questão de saúde pública, o artigo tem como objetivo analisar os efeitos de documentos emitidos pelo Ministério da Saúde durante o governo de Jair Bolsonaro para a assistência ao aborto no Brasil.
Metodologia Esse trabalho trata-se de uma análise de conteúdo, a partir de uma perspectiva qualitativa. O primeiro documento analisado é a cartilha intitulada “Atenção técnica para prevenção, avaliação e conduta nos casos de abortamento'' (2022) e o segundo trata-se da Portaria nº 2.561 (2020), ambos emitidos pelo Ministério da Saúde.
Resultados e discussão Na discussão, verificou-se a construção de uma narrativa antiaborto nos documentos em análise. Como trazido por Foucault (1979) existe um regime interior de poder que circula em enunciados dito científicos, que é fruto de uma força exterior que o constrói, assim como o enunciado tem o poder de produzir um conjunto de preposições aceitadas e reproduzidas socialmente, como um efeito micropolítico desse poder. Apesar desses documentos não limitarem o que está previsto em lei e, portanto, não terem o poder de regular o cuidado a essas meninas e mulheres brasileiras com base em argumentos como esse, eles podem exercer constrangimentos para a conduta dos/as profissionais de saúde brasileiros/as, tendo sido emitidos pela máxima instituição nacional de saúde, o Ministério da Saúde, que deveria nos orientar em nossas praticas profissionais. É impossível elaborar uma saúde integral das mulheres sem pensar as especificidades das mulheres pobres, negras, indígenas, transsexuais e nordestinas do país, que são as mais penalizadas pela ausência do Estado através do enfraquecimento do acesso ao aborto no país. O destino dessas mulheres na configuração atual do sistema é estarem nos maiores níveis de insegurança no que se refere ao procedimento. O Sistema Único de Saúde tem ferramentas potentes para serem aliadas da gestão durante esse processo de fortalecimento da assistência ao aborto atualmente (2023), a partir das políticas públicas, e é necessário que a nova gestão federal as fortaleça, junto aos estados e municípios. Os avanços conquistados pelos movimentos feministas para a inclusão dos direitos sexuais e reprodutivos nas políticas em saúde, embora fundamentais, ainda não são suficientes em sua efetivação para atender de forma satisfatória a demanda pelo aborto no país.
Conclusões/Considerações finais Constatou-se um processo de construção de uma narrativa contrária ao aborto no Brasil, fortalecida pelo viés moral-conservador da gestão nesse período com o enfraquecimento das instituições democráticas do país. Conclui-se a necessidade do Estado fortalecer essa discussão junto à sociedade civil, entendendo os desafios que estão postos atualmente decorrentes dos efeitos produzidos no imaginário social nos últimos anos, além da importância de um trabalho intersetorial que garanta segurança no acesso das mulheres brasileiras ao procedimento através das políticas públicas, considerando a complexidade biopsicossocial do tema.
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