Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC20.1 - Políticas da reprodução e governança reprodutiva

48096 - “SEM CONDIÇÕES DE CRIAR": JUSTIÇA REPRODUTIVA E A ENTREGA DO BEBE PARA ADOÇÃO
DENISE CLEMENTE DA SILVA - FSP/USP


Apresentação/Introdução
A Lei n° 13.509 inscrita no ECA em de 2017 regulamentou a entrega do bebê para adoção, como um direito das mulheres e das gestantes que não desejam exercer a maternidade, tendo em vista o artigo 19-A da mesma lei que estabelece o direito das crianças de serem criadas por famílias substitutas através da adoção. Contudo, mesmo existindo a possibilidade legal, as redes sociais têm se tornado um meio de aproximação entre mulheres com a finalidade da adoção paralelo à lei. Nas redes sociais, o desejo de não exercer a maternidade, que é visto como um assunto tabu em alguns espaços, viram relatos, postagens, áudios e conteúdo que, ao serem compartilhados, permitem a busca pela nova mãe para a criança.

Objetivos
O objetivo deste estudo é de conhecer as necessidades, atitudes e prática das mulheres relacionadas com a entrega do bebê para adoção, aos direitos reprodutivos e os atuais caminhos da adoção

Metodologia
Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com mulheres que fizeram a entrega do bebê para adoção e mulheres que desejam exercer a maternidade através da adoção. As participantes foram recrutadas nos grupos de adoção nas redes sociais, a participação foi através de uma entrevista por ligação telefônica. O roteiro de entrevista abordou questões sobre os conhecimentos acerca da possibilidade legal, itinerários adotivos, história reprodutiva, preocupações referentes à entrega do bebê, comportamentos de procura de cuidados, experiência e barreiras no acesso à saúde reprodutiva e os direitos das mulheres.

Resultados e discussão
A Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes (BRASIL, 2012b) orienta que cabe aos profissionais de saúde informar as mulheres sobre os seus direitos e apresentar as “alternativas à interrupção da gravidez, como a assistência pré-natal e entrega da criança para adoção”. Nesse sentido, observamos que a entrega voluntária é acionada nos casos em que a mulher teria direito ao abortamento legal. Observamos que mesmo existindo a possibilidade legal o estigma sobre a prática é comparado por uma das participantes ao do aborto. As mulheres que concederam a entrevista não relataram uma rejeição à criança, ou falta de interesse pela maternidade. A principal motivação apresentada diz respeito à condição de vulnerabilidade socioeconômica no momento da gravidez e desinteresse pela opção oferecida pela Justiça.

Conclusões/Considerações finais
Nos últimos anos tem havido um declínio do modelo de Justiça Social estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, pela ascensão do modelo de família nuclear. Do mesmo modo percebe-se que são criados novos mecanismos para regular as práticas reprodutivas e a maternidade de mulheres de cor, raça e classe social posicionadas na base da hierarquia social e reprodutiva. Projetos de lei (Estatuto do Nascituro, Estatuto da Gestante) e outros propostas legislativas visam estimular a entrega do bebê em adoção como “alternativa” para as gravidezes indesejadas e meio de evitar o aborto. Na atualidade, pela regulamentação da prática vemos que tem aumentado o debate sobre o tema, sobretudo no campo da Justiça. Observa-se a produção de pânico moral em torno da noção de “tráfico” e “venda de bebês” pelas matérias jornalísticas que apresentam a entrega em adoção nas redes sociais, categorizadas como “mercado de bebês”, e que apontam a condição de vulnerabilidade das mulheres como motivação para a prática. Além disso, está em tramitação diversas propostas legislativas que buscam dar celeridade na adoção de bebês que acionam a “defesa” dos direitos do nascituro como estratégias atuais de ataque aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres no país