Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC21.1 - Políticas públicas, territórios e experiências em saúde indígena

47026 - (IN)ACESSO À POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE E PROTEÇÃO SOCIAL NO CONTEXTO DE RETOMADAS INDÍGENAS GUARANI E KAIOWÁ NO MATO GROSSO DO SUL
LUCAS LUIS DE FARIA - UFMG, VERÔNICA GRONAU LUZ - UFGD, INDIANARA RAMIRES MACHADO - USP, FELIPE MATTOS JOHNSON - UL


Apresentação/Introdução
O Mato Grosso do Sul (MS) possui a segunda maior população indígena do Brasil. Dentre as etnias do estado, os povos Guarani Ñandeva (que se auto denominam Guarani) e os Guarani Kaiowá (que se auto denominam Kaiowá) representam o maior quantitativo. Historicamente, estes dois subgrupos sofrem de diversas violências e violações de direitos humanos, sobretudo a violação do direito à terra/território, devido a retirada forçada dos seus territórios tradicionais no início do século XX pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que acomoda compulsoriamente os Kaiowá e Guarani em oito reservas indígenas no sul de Mato Grosso do Sul, para liberação de terras com o objetivo de “desenvolver” e “povoar” a região. Famílias que se recusam ao confinamento lutam pela recuperação de seus territórios originários, num movimento de autodeterminação chamado de retomada. Estas áreas de retomada estão em processo de demarcação, em diferentes estágios. A interpretação equivocada, em alguma medida racista, do Estado brasileiro de oferta de serviços aos “indígenas aldeados”, restringe o direito à saúde, à assistência social e à direitos humanos das comunidades que se encontram em processo de luta pela terra. Isto implica no agravamento da situação de violências e violações que estes povos sofrem cotidianamente.

Objetivos
Assim, esta pesquisa tem como objetivo, a partir de uma demanda da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por meio da petição da demarcação dos territórios, e com o apoio da FIAN Brasil, organização pelo direito humano à alimentação e nutrição adequadas, e do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), reavaliar a situação socioeconômica, de alimentação e nutrição de três áreas de retomada já estudadas em 2013: Guaiviry (município de Aral Moreira), Kurusu Ambá (Coronel Sapucaia) e Ypo’i (Paranhos) e incluir nesta atualização mais dois territórios: a Ñande Ru Marangatu (Antônio João) e a Apyka’i (Dourados), todas no MS.

Metodologia
O recorte metodológico para este resumo inclui dados referentes ao acesso à serviços de saúde e políticas de assistência social nestes cinco territórios Guarani e Kaiowá da pesquisa atualizada. Os dados foram coletados entre janeiro e abril de 2023 em 480 domicílios, por 17 entrevistadores indígenas dos cinco territórios, que foram capacitados e validaram o instrumento de coleta de dados construído coletivamente. A coleta de dados foi feito por meio de aplicativo de celular criado em parceria com a Rede de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PenSSAN)

Resultados e discussão
A pesquisa de 2013 revelou que, dos 98 domicílios estudados nas três comunidades, 60,4% não recebeu o benefício do Programa Bolsa Família e em 22,9% destes o recebimento havia sido suspenso. Dos 480 domicílios avaliados em 2023, 34,6% não receberam o benefício do Programa Bolsa Família, 94,2% receberam Cesta básica de alimentos da CONAB (entregue pela FUNAI) e 20,0% recebeu benefício de programa auxílio estadual ou municipal. Embora maior o número de beneficiários do Bolsa Família uma década depois da primeira avaliação, sobretudo pelas constantes denúncias das entidades como a Aty Guasu (Grande Assembleia Guarani e Kaiowá), o CIMI, a FIAN Brasil, FIAN Internacional e outras entidades em defesa dos povos indígenas, é ineficiente a assistência do Estado brasileiro na tentativa de amenizar a fome e a insegurança alimentar em áreas indígenas, haja visto os cenários de precariedades experienciados por estes povos. Avaliamos que a maioria das famílias elegíveis para o recebimento do benefício do Bolsa Família não possuem documentação e, por isso, nem podem ser cadastradas. As cestas básicas só chegam mensalmente para territórios cujas lideranças cobram mensalmente a entrega. Quando não é feita a cobrança, o território fica mais de três meses sem receber. Em relação a saúde, em quatro das cinco comunidades estudadas, a equipe de saúde da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) leva assistência apenas uma vez por semana, sempre com a equipe incompleta, e no outro, a equipe acessa apenas uma vez no mês. Durante a segunda tentativa de retomada de Ypo’i, em 2010, a comunidade ficou aproximadamente 100 dias cercadas pelos jagunços dos fazendeiros sem acesso à equipes de saúde e à escola. Em Kurusu Amba, no ano de 2016, uma criança de 1 ano e 6 meses faleceu sem atendimento sob alegação de não autorização da entrada da equipe de saúde por ser uma área de litígio. Situações como estas não são isoladas, mas constituintes das violações sistêmicas que atigem os povos indígenas do Brasil.

Conclusões/Considerações finais
Conclui-se, portanto, que a perspectiva colonialista e a falta da demarcação dos territórios originários gera diversas violações de direito, como o direito à saúde, à alimentação e nutrição adequada e a dignidade humana, sendo urgente políticas de reconhecimento e reparação, tanto dos territórios, quanto dos direitos historicamente negados a partir das racionalidades coloniais.