Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC23.1 - Práticas emancipatórias: agências e políticas II

46824 - ECOLOGIAS SITUADAS DE CUIDADO E PLURALISMO MÉDICO: ITINERÁRIOS TERAPÊUTICOS ENTRE MIGRANTES INTERNACIONAIS RESIDENTES EM SÃO PAULO, BRASIL
CRISTÓBAL ABARCA BROWN - UNIFESP, DENISE MARTIN COVIELLO - UNIFESP, CÁSSIO SILVEIRA - UNIFESP


Apresentação/Introdução
A falta de acesso à saúde tem sido circunscrita como um problema de “navegação” nos espaços institucionais. No entanto, os processos saúde-doença-cuidado materializados pelos corpos dos usuários seguem diferentes trajetórias dependendo dos contextos socioecológicos e biossociais em que estão territorializados. Nesse sentido, a noção de “itinerários terapêuticos” permite explorar os diversos caminhos de tratamento e cura, tanto formais como informais, bem como as formas como os sujeitos acessam redes complexas de apoio e proteção social em busca de saúde e as diferentes alternativas de cuidados.

Na trilha para melhorar seu bem-estar físico e emocional, os usuários interagem com vários modelos de atenção à saúde. Além da biomedicina em espaços formais, os pacientes dialogam e negociam com outras opções como a medicina tradicional ou ancestral e a medicina popular. Esse pluralismo médico local e transnacionalmente disponível é administrado por diferentes tipos de médicos e curandeiros, bem como manipulado pelas próprias pessoas em processos de auto-atenção e autocuidado.


Objetivos
A partir de uma abordagem socioecológica e decolonial, a apresentação analisa os itinerários terapêuticos que os migrantes internacionais residentes em Brasil percorrem em busca de saúde.

Metodologia
Uma primeira etapa exploratória analisa 14 entrevistas realizadas em São Paulo com migrantes em situação de vulnerabilidade social no âmbito de uma pesquisa qualitativa em rede colaborativa. Seu objetivo foi identificar problemas relacionados ao acesso e proteção social de migrantes e refugiados durante a pandemia de COVID-19, enfatizando suas interações médicas e práticas de cuidado. Em uma segunda etapa, são relatadas experiências de campo com um grupo de migrantes acolhidos e atendidos pela organização não-governamental “Cáritas Brasileira” na periferia de São Paulo.

Resultados e discussão
Entre os resultados, identificam-se dificuldades por parte dos migrantes em confiar nos sistemas formais de saúde, tanto pela burocracia administrativa nacional e os tempos de espera, quanto pelos próprios sistemas culturais ou cosmovisões. Durante a pandemia, proliferaram alternativas transnacionais de tratamento por meio de remessas digitais como práticas de cuidado, por meio de aplicativos de mensagens instantâneas como o WhatsApp. Os migrantes receberam dados e receitas para tratar os sintomas da COVID-19, redefinindo os limites locais de suas buscas por saúde ao nível transnacional e virtual.

Conclusões/Considerações finais
A título de discussão, destaca-se a potencialidade do conceito de “itinerários terapêuticos” para reconhecer as trajetórias espaciais dos usuários entre diversas instituições ao nível local e internacional, bem como a importância do tempo nos processos de cuidado e na compreensão das doenças. Além disso, destaca-se a capacidade da categoria em identificar as trajetórias epistêmicas que os usuários seguem entre diferentes modelos de pluralismo médico de acordo com seus próprios sistemas de crenças. Nesse sentido, os itinerários dos migrantes perpassam dimensões sociais, culturais e subjetivas, configurando-se como complexas “ecologias de saberes” constituídas pelo conjunto dos modelos científicos, tradicionais e populares de saúde disponíveis.

Em suma, propõe-se que o modelo biomédico hegemônico seria uma espécie de “localismo globalizado” que não permeia todas as práticas e saberes em saúde. Ao contrário, os diferentes itinerários terapêuticos realizados pelos usuários migrantes e suas comunidades revelam diferentes “ecologias situadas de cuidado” que possibilitam práticas alternativas de auto-atenção e cuidados, muitas vezes marginalizadas pelos centros de saúde formais. Nesse sentido, a emergência de serviços informais e redes de atenção e apoio alternativos configuram-se como ecossistemas complexos de cuidado tanto no nível local quanto virtual e transnacional. Sua articulação demonstra a “pluriversalidade epistêmica” presente na “co-presença radical” entre modelos, saberes e práticas durante os processos saúde-doença-cuidados dos usuários migrantes.