02/11/2023 - 08:30 - 10:00 COC24.1 - Nada sobre mim, sem mim: História, saúde e resistência |
46250 - A ÉTICA AMOROSA COMO APOSTA DE CUIDADO: INSTITUIÇÕES E INTERSECCIONALIDADE EM JOGO CAMILA PORTELLA LOPES - FESAÚDE, ALDA MARIA S DE S. OLIVEIRA - FESAÚDE
Contextualização O presente trabalho traz o relato de experiência de profissionais da rede de saúde mental da cidade de Niterói (RAPS), no Rio de Janeiro, mais especificamente no acompanhamento de uma adolescente de dezesseis anos no Centro de Atenção Psicossocial Infanto Juvenil Monteiro Lobato.
Descrição As reflexões aqui apresentadas emerge do acompanhamento a uma adolescente, negra, órfã, institucionalizada e usuária de Caps, que sofre desde o seu nascimento com essas opressões.
A adolescente em questão traz marcas de violências de diversas naturezas que traçam cortes em seu corpo e em sua saúde psíquica, assim como no olhar do outro.
Preta, bissexual, filha de usuários de drogas, reside em unidade de acolhimento infanto-juvenil desde os dois anos de idade, após presenciar o assassinato de sua avó pelo seu pai. A adolescente, para além deste âmbito familiar, vivenciou no âmbito institucional trocas de equipes técnicas nas unidades de acolhimento, crianças indo e vindo, abandono familiar e social, além de violências institucionais, como hipermedicalização, ou como afirmou Rocha (2012), “camisa de força química”, que revela uma prática de controle sobre os corpos, e restrição de oportunidades de lazer e de investimento futuro (estudos e trabalho), que acontecia como outra forma de controle e de punição, após situações em que a jovem não se submetia a algumas imposições institucionais.
Período de Realização O relato de experiência consiste no período de março de 2022 até o atual momento da escrita desse trabalho, junho de 2023.
Objetivos As autoras almejam a partir de um caso traçador refletir a questão da violação de direitos na infância e juventude, principalmente no que diz respeito à dignidade, à liberdade, à igualdade de direitos e à integridade do ser humano, passando pelo conceito de interseccionalidade, de Kimberlé Crenshaw (2002). Trata-se especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe, e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras. Portanto, este trabalho também tem como objetivo mostrar como como o cuidado em saúde mental em uma rede de atenção psicossocial, pode contribuir para o trabalho em rede intersetorial, de forma que a ética amorosa seja o retorno a esses corpos pretos rejeitados.
Resultados Logo, ao longo do relato veremos que T. responde de forma positiva às intervenções permeadas por uma ética amorosa e humanizada com escuta, acolhimento e cuidado, inclusive em momentos de crise. Com essa abordagem, foi possível diminuir os episódios de crise e T. passou a buscar elaborar suas questões através do recurso da fala, além de se tornar protagonista na busca pelos seus direitos. Quanto às instituições, tanto a troca entre as equipes sobre o caso, quanto a passagem cuidadosa para o recebimento de T. nas unidades, têm se mostrado eficiente para o olhar investido sobre a jovem.
Aprendizados A interseccionalidade trata da forma como ações e políticas específicas geram opressões que fluem ao longo de eixos como raça, gênero, sexualidade e classe, constituindo aspectos dinâmicos ou ativos do desempoderamento. Em contrapartida, a autora Bell Hooks (2020) nos sinaliza a importância de abraçar a ética amorosa, a qual significa inserir todas as dimensões do amor — cuidado, compromisso, confiança, responsabilidade, respeito e conhecimento — em nossa vida cotidiana, e nesse caso, no cuidado dessas jovens marginalizadas na Atenção Psicossocial.
Análise Crítica T. foi condicionada a um cativeiro. Isto é, um lugar social, o qual “define politicamente as mulheres, e se concretiza na relação específica das mulheres com o poder” (Lagarde, 2005, p.36), caracterizado pela privação de liberdade, pela opressão. Privadas de sua autonomia vital, de independência do viver, do governo de si mesma, da capacidade de escolher e de decidir sobre os fatos fundamentais de sua vida, o cativeiro diz de uma dependência, de uma subordinação ao poder, da ocupação de suas vidas pelas instituições e pelos particulares (os outros). (Idem, p.36-37)
Veremos como esta adolescente vai transitando entre instituições de saúde mental, assistência e unidade de medida socioeducativa mostrando a seletividade do Estado o qual é bem analisado por Joana das Flores Duarte, (2018) no livro Meninas e Território: criminalização da pobreza e seletividade jurídica onde traz uma rica análise do quanto o sistema é seletivo, punitivo e moralizador, que produz e reproduz violência em diferentes esferas. Joana afirma que a pobreza é criminalizada e que as jovens oriundas dessa realidade ingressam no sistema de justiça mediante o caráter seletivo do Estado que seleciona os sujeitos dignos de direitos e os condenados à judicialização da vida. Na contra mão de uma intervenção violenta o acompanhamento de T. pelos profissionais do CAPSI sempre foi pautado no cuidado humanizado preconizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e pela ética amorosa.
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