Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC27.1 - Interculturalidade e Praticas de Curas

46693 - ETNICIDADE, SUICÍDIO E SINDEMIA NO CONTEXTO DOS INDÍGENAS ISOLADOS SURUWAHA
PALLOMA CAVALCANTI REZENDE BRAGA - UFPE


Apresentação/Introdução
A questão do suicídio entre os povos indígenas isolados, Suruwaha, é uma realidade que chama atenção devido aos altos índices verificados desde que passaram a viver no território do igarapé Jokihi, afluente do Riozinho, Médio Purus Amazônico, por volta de 1929. Os prontuários de saúde registrados no SIASI/SESAI, referentes aos anos de 2008 a 2018, indicam um número total de 38 falecimentos por ‘morte-autodeterminada’, categoria descrita em CID para o caso Suruwaha. Nessa época, o número total de pessoas Suruwaha variava entre 153 e 155 pessoas. As ocorrências de suicídio e cadeia suicida no Jokihi continuam até os dias atuais nas mesmas proporções. A respeito disso, os Suruwaha dão conta de descrever histórias de suas relações com seres de outros mundos e com espíritos donos de sujeitos do mesmo mundo, como animais e plantas. A ausência ou destruições de concepções que sustentam o mundo cosmológico promoveriam estado de espírito (ou de existência) em desequilíbrio (Zawa), o que engrenaria o ataque do espírito do Timbó (Kunaha) no coração da pessoa (Giyzoboni) e a perseguição continua do Kunaha ao Giyzoboni no pós-morte. Ou seja, o consumo do veneno da raiz do Timbó produz a ideia de uma humanidade Jadawa vítimas do Kunaha e a propagação dessa situação terrestre para demais perspectivas mundanas e dimensional das existências. Jadawa remete a um significado endógeno de existir na terra como seres de sabedoria superior, dotados de concepções particulares não dualistas que sustentam o coletivo- o Bem Viver. A consideração aos conceitos particulares indígenas vem a levantar observações interessantes para pensar humanidades das concepções étnicas e os efeitos da quebra dessas concepções no meio socioambiental.

Objetivos
A partir de uma investigação antropológica em andamento que se preocupa com questões de saúde indígena, pretendemos refletir sobre o fenômeno do suicídio em contextos socioculturais onde sua inserção é pouco conveniente ao conceito biomédico de saúde mental de modo que pretendemos abarcar diálogos mais reflexivo de saúde coletiva e etnicidade. De igual modo, a exposição oral pretende sustentar a importância dos conceitos e das concepções próprias indígenas no trato dos próprios fenômenos da coletividade.

Metodologia
Faremos uma discussão com base em experiência etnográfica desempenhada durante ação de monitoramento da saúde no Distrito Sanitário Especial Indígena- Médio Purus, entre os anos de 2016 e 2017, e dados etnológicos e institucionais de períodos distintos (e atualizados) que atendem aos indígenas Suruwaha. As gerações Suruwaha de hoje divergem nas opiniões apresentadas pelas gerações da época em que foram localizados, durante ação de reconhecimento dos territórios ameríndios amazônicos no final da década de 1970, principalmente no que tange as relações que mantêm com o Timbó. A comparação de dados com a observação das narrativas, performance e estratégias indígenas perante o contato vem a demonstrar transformações significativas nas estruturas organizacionais étnicas e nas versões étnicas escatológicas.

Resultados e discussão
Embora as versões da escatologia Suruwaha tenha se revelado impressões cada vez mais contrária ao consumo letal do Timbó, a casa Dokumi do povo do veneno (Kunaha Madi), para onde vão os Suruwaha após a morte, ainda é o destino feliz e esperado, assim como ainda é verificado altos índices proporcionais de suicídio no Jokihi. No ambiente terreno (adaha), o suicídio tem se mostrado como um fenômeno que irrompe nos aspectos da vida social e cosmológica dos Suruwaha. Desde Kroemer (1994), é observada a interferência do fenômeno nas regras de casamento milenares entre primos cruzados bilaterais de ambos lados (filha da irmã do pai/filha do irmão da mãe). Na geração por mim conhecida, os mais jovens, principalmente as mulheres, não apresentam intenção de juntar as redes (casar) devido as condições de infância: órfãos e precisando cuidar dos irmãos órfãos pequenos. Uma análise de parentesco com construção de genealogia poderá aprofundar melhor o assunto, além de visibilizar um gráfico que aponta a baixa expectativa de vida. Os resultados que aludem para desestruturas das regras organizacionais Suruwaha e transformações ou novos reconhecimentos do mundo cosmológico a partir do fenômeno do suicídio vem a visibilizar um aspecto sindêmico da prática cultural. Devemos discutir a relação entre práticas sociais, etnicidade e questões de fronteiras (as influências externas) nessas impressões.

Conclusões/Considerações finais
É importante investir numa análise antropológica que aborda a respeito de “problemáticas” que acarretam outras “problemáticas” no ambiente étnico. Questões que revelam aspectos sindêmicos são fundamentais a serem analisadas nos estudos atuais, principalmente no mundo pós-pandêmico. De igual sentido, a análise visa considerar as transformações culturais das sociedades indígenas a partir da imposição de uma nova configuração da territoriedade.