02/11/2023 - 08:30 - 10:00 COC27.1 - Interculturalidade e Praticas de Curas |
48201 - A PATOLOGIZAÇÃO DO SOFRIMENTO EM CONTEXTO DE PRODUÇÃO DO CUIDADO INTERCULTURAL INDÍGENA VALQUIRIA FARIAS BEZERRA BARBOSA - IFPE, MAYARA INÊS FEITOZA DOS SANTOS - IFPE, PEDRO CAMILO CALADO - IFPE, JAQUELINE CORDEIRO LOPES - IFPE, ANA CARLA SILVA ALEXANDRE - IFPE
Apresentação/Introdução As comunidades indígenas são atendidas por uma Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena no polo base, correspondendo a uma unidade básica de saúde da família que dá cobertura às aldeias, segundo critérios de abrangência sanitária e territorial. Nesse modelo de atenção, o controle social se efetiva através da participação dos indígenas nos Conselhos Locais de Saúde Indígena de modo a garantir que o planejamento das ações de saúde incorpore as singularidades do seu território existencial, concebido como espaço étnico-cultural dinâmico e amplificado, irredutível às suas características geográficas, populacional e administrativa. Os povos indígenas detém modelos etiológicos, com práticas de cura estabelecidas atribuídas a curadores tradicionais e reconhecidos a partir de critérios de validade etnocentrados. No entanto, seus conhecimentos médicos têm sido considerado como simbolismos ou empirismo, desqualificando-os de sua cientificidade e dificultando sua inserção mais efetiva no processo de intermedicalidade, o que tem resultado em processos de medicalização e patologização. Nas orientações sobre serviços de saúde mental comunitária, a Organização Pan-Americana de Saúde externa sua grave preocupação a respeito dos elevados índices de prescrição de medicamentos psicotrópicos por profissionais da atenção primária e recomenda que seja criteriosamente analisada a utilidade dessas intervenções em um determinado momento da vida. Recomenda também que se deixe claro aos usuários suas limitações e possíveis efeitos negativos a fim de que seu uso, em última instância, se dê mediante o consentimento esclarecido do indivíduo, com respeito a sua vontade e preferências. Trata-se de uma opção terapêutica e não a única opção terapêutica.
Objetivos Caracterizar o processo de patologização do sofrimento pela via da atribuição de diagnósticos psiquiátricos e prescrição de psicotrópicos em contextos de produção do cuidado intercultural indígena do povo Xukuru do Ororubá.
Metodologia Estudo descritivo, exploratório, quantitativo, desenvolvido na TI do povo Xukuru do Ororubá, localizada na serra do Ororubá, no município de Pesqueira, Pernambuco, Brasil, no período de 2020 a 2021. O polo base Xukuru do Ororubá assiste a 23 aldeias, das três regiões (Agreste, Ribeira e Serra). Participaram do estudo 52 usuários indígenas que residem na Aldeia Vila de Cimbres, acompanhados pela EMSI, com diagnóstico médico de transtorno mental e sob uso de psicotrópicos. Os dados foram coletados nos prontuários dos indígenas e analisados por estatística descritiva. O protocolo de pesquisa foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa sob CAAE nº 86558418.3.0000.5189.
Resultados e discussão Esse estudo evidenciou que 88,5% (n=46) dos indígenas participantes da pesquisa não faz consulta com o pajé, e 25% (n=13) não faz uso de qualquer outra prática tradicional de cura. Os indígenas receberam os seguintes diagnósticos segundo a Classificação Internacional das Doenças (CID-10): “F41-Outros transtornos ansiosos” (n=12; 23,1%); “F32-Episódios depressivos” (n=9,17,3%) e 13 indígenas receberam ambos os diagnósticos simultâneos (25%). Outros diagnósticos corresponderam a 34,6% (n=18). Os diagnósticos e a prescrição dos psicotrópicos foram feitos pelo médico psiquiatra em 71,1% (n=37) das vezes. O modelo médico centrado nas drogas psicotrópicas e na doença produz a generalização de respostas farmacológicas para os mais diversos aspectos da vida. A operatividade desse modelo sustenta-se na negação das vulnerabilidades das populações indígenas brasileiras, produtoras de sofrimento psíquico, e no aparato publicitário da indústria farmacêutica, capaz de moldar os padrões de consumo para determinadas drogas psicotrópicas. Despolitiza as Práticas Tradicionais de Cura, subverte os saberes milenares ancestrais que compõem a cosmologia dos povos indígenas, bem como as relações intersubjetivas e intergeracionais que proporcionam a constituição da sua identidade e do seu ethos cultural. Produzem o silenciamento do sofrimento psíquico, a patologização, a perda de autonomia e aprofundam o processo de aculturação.
Conclusões/Considerações finais Pensar sobre a sofisticação dessa medicina indígena num modelo de racionalidade não biomédico é uma das vias a serem percorridas numa possível e necessária revisão do modelo de cuidados vigente. O reconhecimento de que as expressões culturais dos povos originários devem ser ouvidas, respeitadas e articuladas aos tratamentos instituídos é fundamental aos profissionais de saúde que atuam em contexto intercultural, a fim de fortalecer o modelo de atenção diferenciada à saúde indígena.
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