Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC29.1 - Memórias da pandemia de Covid-19: entre novas formas de cuidado e a medicalização da vida

46960 - CUIDADO ALÉM DAS TELAS: REFLEXÕES SOBRE RISCO E TELEMEDICINA DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19
DANIELLE RIBEIRO DE MORAES - FIOCRUZ, GILNEY COSTA SANTOS - FIOCRUZ


Contextualização
Apresentamos reflexões sobre a pandemia de COVID-19 e sua determinação histórico-social, apoiados na experiência de teleatendimentos prestados por uma rede informal de trabalhadores da saúde, configurada de março de 2020 a maio de 2022. Sua criação se deu espontaneamente, como modo de enfrentamento às diferentes dimensões dos processos de sofrimento implicados na pandemia. Ela teve inicialmente a participação de um psicólogo sanitarista e dois médicos, uma generalista e um infectologista que, ao longo do tempo, foram acionando outros trabalhadores de diferentes redes de atenção do SUS e SUAS.

Esses três trabalhadores tinham vínculo institucional com a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), no Rio de Janeiro (RJ): todos em função de pesquisa e docência, incluindo um estudante de doutorado. O fato de a FIOCRUZ ter suspendido suas atividades presenciais não ligadas à assistência direta em saúde logo nas primeiras semanas permitiu que o trabalho fosse reorientado de modo a se atuar também em formas de enfrentamento da pandemia. Os trabalhadores que mobilizaram essa rede informal eram portadores de doenças crônicas e foram, uns mais que outros, relativamente protegidos da infecção pelo trabalho remoto. Suas diversas interseções atravessaram de modo diferente a escuta e a produção de cuidado: um homem cis hétero branco morador de um bairro mais nobre da cidade; uma mulher cis branca bissexual moradora do subúrbio e um homem cis gay negro morador de favela. Este último retornou a sua cidade natal no interior da BA durante as semanas de isolamento social e de lá realizava os atendimentos.


Descrição
Agentes comunitários de saúde (ACS) foram uma categoria da saúde especialmente negligenciada durante a emergência sanitária. Seus pedidos de ajuda deram início a uma sucessão de teleatendimentos que se organizaram em “bola de neve”: antes apenas ACS, em alguns dias chegavam mais usuários às telas de celular, a maior parte via whatsapp. Em jornadas de trabalho que chegaram a 18 horas diárias, os pesquisadores foram engolidos pela demanda, de onde emergiam medo, sofrimento, luto e culpa em uma conjuntura de negligência estatal deliberada.

No RJ, as semanas seguintes cursaram com o colapso dos serviços de saúde, ao passo que se instalava uma grave crise humanitária por conta do impacto das medidas preventivas sem coordenação e sem o lastro de um mínimo de proteção social. Enquanto isso, ocorria também uma crise de abastecimento de água na cidade. Os usuários atendidos trabalhavam principalmente na informalidade e no setor de serviços e foram diretamente atingidos pela diminuição na circulação de pessoas. Aqueles que tinham algum modo de sustento priorizavam o isolamento de idosos e de pessoas já adoentadas. Com o fechamento de escolas, as famílias atendidas pela rede pública de ensino ficaram sem a alimentação das crianças, pois o provimento de merenda escolar foi tardio e cercado por denúncias. Conforme o número de casos aumentava, chegavam relatos dramáticos da falta de atendimento, da falta de recursos em geral e de comida, e até de pessoas que morriam dentro de suas casas, sem acesso às redes de atenção pública e privada, incluindo trabalhadores da saúde. Essas mortes eram relatadas sobretudo entre moradores de favelas.

Período de Realização


Objetivos


Resultados
Dentre as principais observações sistematizadas, destacam-se a expressão do racismo e das iniquidades de gênero e classe. Mulheres, principalmente negras, centralizavam o cuidado com outros moradores da casa que adoeciam ao mesmo tempo que elas. Diante da violência estatal armada na cidade; da crise de proteção social aliada ao desmonte da rede do SUS; da inexistência de diretrizes clínicas bem definidas e do aprofundamento da descontinuidade do cuidado em saúde; e da disseminação de desinformação e de protocolos ineficazes, como o “tratamento precoce”, amplamente defendido pelo governo federal, os primeiros meses da pandemia trouxeram sentimento de desamparo tanto às pessoas que foram atendidas, quanto a vários dos trabalhadores de saúde que constituíram essa rede informal.

Aprendizados
O desamparo não se desdobrava necessariamente em mobilização política tradicional, mas em estratégias de resistência mais fluidas entre os usuários. Ainda, o discurso médico sobre o risco, altamente individualizante, provocava ansiedade e culpa numa população já profundamente vulnerabilizada. Neófitos em telemedicina, os pesquisadores desenvolveram estratégias de avaliação clínica que precisaram ser pautadas na construção de vínculo e escuta ativa, na forma de longas ligações com os usuários, já que, para a maioria deles, não era possível realizar videochamadas. Matriciar, conhecer o timbre da voz, o ritmo da respiração e acolher a ansiedade da falta de ar e de recursos passou a ser uma estratégia de manutenção e defesa da vida, diante de uma conjuntura deliberadamente desumanizadora.

Análise Crítica
Apresentada acima, em produção textual alternativa à organização sugerida pela organização do congresso.