Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC32.1 - Saúde mental de crianças /adolescentes

46557 - SOFRIMENTO MENTAL NA AMAZÔNIA BRASILEIRA: ANÁLISE DOS EFEITOS PRECOCES DA AUSTERIDADE NA PREVALÊNCIA DE SINTOMAS GRAVES DE ANSIEDADE E DEPRESSÃO EM MANAUARAS
VANESSA GOMES LIMA - FACULDADE DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS, UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS, CAMPINAS, SÃO PAULO, BRASIL, MARCUS TOLENTINO SILVA - PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS, UNIVERSIDADE DE SOROCABA, SOROCABA, SÃO PAULO, BRASIL., TAÍS FREIRE GALVÃO - FACULDADE DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS, UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS, CAMPINAS, SÃO PAULO, BRASIL


Apresentação/Introdução
O neoliberalismo é uma teoria econômica associada à mercantilização da vida e financeirização da economia. Essa forma de política envolve diretamente a saúde financeira da população, com a limitação dos gastos sociais ocorrem perdas na saúde física e mental (1). Na última década, o Brasil lidou com cortes no financiamento público de programas sociais básicos, com congelamento e redução em investimentos fundamentais como saúde e educação, devido a políticas de austeridade (2, 3).
Essas medidas afetaram o Sistema Único de Saúde, com mudança da destinação de recursos e desestruturação das equipes de saúde, ações que diminuem a resolutividade do sistema e prejudicam o acesso a serviços de saúde e sua qualidade (3, 4). No âmbito econômico, tais políticas se traduziram em maior desemprego, precarização do trabalho e aumento da desigualdade de renda, semelhante ao observado em outras conjunturas (5, 6).
O aumento do estresse, sentimentos de vergonha, perda de estrutura e identidade e percepção de falta de controle frente a dificuldades financeiras e desemprego aumentam o risco de adoecimento mental e demandam políticas sociais e coletivas apropriadas para sua mitigação, para além do cuidado individual (7, 8).
A carga de distúrbios afetivos, como ansiedade e depressão, tem crescido globalmente. Desde 2016, o Brasil enfrenta crescimento nas taxas de desemprego e desigualdade de renda, além de redução de investimentos governamentais em saúde devido a políticas de austeridade, o que potencialmente impactou na saúde mental da população, especialmente em regiões mais vulneráveis, como a Amazônia brasileira.

Objetivos
Avaliar os efeitos precoces das políticas de austeridade no sofrimento mental de adultos residentes em Manaus, por meio da análise das mudanças na prevalência de sintomas graves de ansiedade e depressão entre 2015 e 2019.

Metodologia
Trata-se de análise de dois estudos transversais de base populacional conduzidos em Manaus em 2015 e 2019. Indivíduos adultos (≥18 anos) foram selecionados por amostragem probabilística realizada em três estágios. O desfecho foi a mudança nos sintomas graves de ansiedade (avaliados pelo Generalized Anxiety Disorder 7-item com ponto de corte ≥15) e de depressão (medidos pelo Patient Health Questionnaire 9-item com ponto de corte ≥20) entre os dois períodos. A variação das frequências foi avaliada pelo teste do qui-quadrado goodness-of-fit. As razões de prevalência (RP) com intervalos de confiança de 95% (IC95%) foram calculadas por regressão de Poisson com variância robusta e ajustadas por sexo e ano.

Resultados e discussão
Foram incluídos 5.800 participantes, no total. Os sintomas de ansiedade grave aumentaram de 3,3% (IC95% 2,7-3,9) nos 3.479 participantes incluídos em 2015 para 8,7% (IC95% 7,5-9,8) em 2019 (n=2.321); os sintomas depressivos graves passaram de 2,5% (IC95% 2,0-3,0) para 8,5% (IC95% 7,3-9,6). Sintomas graves de ansiedade foram mais frequentes em mulheres (4.8% em 2015; 11.6% em 2019), pobres (4,3% em 2015; 9,6% em 2019) e estado de saúde ruim (16,7% em 2015; 31,7% em 2019). Sintomas depressivos graves foram mais frequentes em mulheres (4,2% em 2015; 11% em 2019), pobres (3,7% em 2015; 9,6% em 2019), e estado de saúde ruim (13,9% em 2015; 31,4% em 2019). Maiores variações na prevalência do sintoma de ansiedade foram observadas entre mulheres (Δ=7%), pessoas de classe social mais baixa (Δ=6%), pessoas que possuíam escolaridade menor que fundamental (Δ=7%) e com estado de saúde ruim (Δ=15%). Aumento dos sintomas depressivos foi maior entre mulheres (Δ=7%), sem parceiro (Δ=7%), pobres (Δ=6%), e com estado de saúde ruim (Δ=18%). Após ajustes, os desfechos foram maiores em mulheres (ansiedade grave: RP=2,33; IC95% 1,81-2,95; depressão grave: RP=2,38; IC95% 1,83-3,09), em 2019, menor renda e escolaridade, e piores estados de saúde (p<0,001). Em todo o mundo, as mulheres apresentaram maior prevalência e carga de depressão e ansiedade de 1990 a 2019 (9). Fatores de risco psicossociais que podem contribuir para ansiedade e depressão são mais frequentes em mulheres, como violência doméstica e sexual, desigualdades educacionais e no mercado de trabalho.

Conclusões/Considerações finais
Sintomas graves de ansiedade e depressão triplicaram no período. Os resultados apontam para aumento no sofrimento mental dos manauaras, ao comparar a prevalência de sintomas graves de ansiedade e depressão no período anterior à instituição de políticas de austeridade com o período posterior ao corte de gastos e desregulamentação do mercado de trabalho. O período de análise não abrange os efeitos da pandemia de COVID-19, que possivelmente agravaram o cenário. As variações nos sintomas foram mais pronunciadas em indivíduos socioeconomicamente vulneráveis, indicando o efeito potencializador das iniquidades sociais nos transtornos afetivos nessa região.