02/11/2023 - 08:30 - 10:00 COC32.1 - Saúde mental de crianças /adolescentes |
47582 - UMA APROXIMAÇÃO NECESSÁRIA ENTRE LACAN E FANON: AJUSTANDO AS LENTES DO PESQUISADOR NA INVESTIGAÇÀO SOBRE AUTOLESÕES POR ADOLESCENTES NA GRANDE RECIFE EDELVIO LEONARDO LEANDRO - UNICAP, EDILENE FREIRE DE QUEIROZ - UNICAP
Contextualização A autolesão é o ato de provocar dor, prazer ou tentar substituir a dor física por uma dor emocional usando um objeto. Na atualidade têm sido um fenômeno corrente e demanda atenção de serviços em saúde como os Centros de Atenção Psicossocial.
Descrição O relato é decorrente de uma pesquisa de tese em andamento, vinculada ao PPG Psicologia Clínica da UNICAP, cujo objetivo é compreender como adolescentes protestantes que realizam autolesões, e que participam ativamente em suas respectivas igrejas, lidam com tal ato concomitantemente aderindo à doutrina de um corpo sagrado. A pesquisa está na fase de campo e esta teve seu início em abril do corrente ano. Tendo em vista que a pessoa que pratica a autolesão geralmente o faz na solidão e o fiel revelar estar ferindo o corpo que habita a Divindade pode acarretar em punições ou mesmo estigmas na sua comunidade de fé, nossa estratégia de acessar os sujeitos da pesquisa fora de forma indireta. Acessamos primeiro o grupo de jovens das comunidades religiosas onde nossos sujeitos estariam presentes. Nestas palestras têm sido feitas sobre cuidados em saúde mental, inserindo nossa temática. Um segundo momento tem sido apresentar e indicar nosso blog e aqueles sujeitos que desejarem interagir conosco podem fazê-lo de forma anônima, trazendo seus relatos sobre como fora ou tem sido sua trajetória de autolesão. Nesse processo de campo, todavia, temos nos deparado com o fato de um número significativo das pessoas de nosso público-alvo serem negras ou pardas. Tal observação nos proporcionou o insight de que a nossa linguagem, nossa concepção de saúde-doença e/ou nossa visão de cuidado em saúde pudessem não fazer eco aos ouvintes, ante o silêncio recebido num primeiro momento. O pesquisador se vê, se reconhece e se apresenta (ainda que não verbalmente ao público) como um homem branco. Passamos a nos questionar se nossa receptividade no campo estaria sendo truncada, tendo em vista um saber externo e não pertencente à comunidade se colocar como autoridade quanto a processos de cuidado relacionados a bem-estar, corpo e saúde a partir daquelas condições do pesquisador.
Período de Realização
Objetivos Este trabalho visa apresentar e discutir a experiência de aproximar algumas categorias analíticas propostas por Franz Fanon àquelas já tomadas de Lacan para ajustar o olhar do pesquisador na condução de uma pesquisa em andamento sobre autolesões em adolescentes protestantes na Grande Recife.
Resultados 1.Linguagem: dominação versus subversão. Segundo Lacan, a linguagem é o universo no qual o sujeito é forjado e forja-se. Desta forma, a criança que ao mesmo tempo é banhada pela linguagem de seus pais também é dominada por essa estrutura que produz sua subjetividade. Sua forma de pensar a si e o mundo é feita dentro desse paradigma linguístico. Subverter a linguagem é ao mesmo tempo colocar-se contra aquilo que o colonizou. Fanon aponta que a linguagem é instrumento de dominação. Não se trata de oralidade que está em questão, mas como a linguagem deixa em segundo plano aquele que é falado por. Fanon, no campo, tem nos ajudado a pensar e a rever nossos diálogos: quem criou as categorias autolesão, corpo, sofrimento por autolesão? A questão que colocamos ao olhar o campo é: quando o adolescente negro se corta é o mesmo corpo de que fala o adolescente branco quando se corta? 2. O que dizer da psicopatologia? Para Lacan o sujeito é aberto, porque está sempre em função de um significante que o defina. O discurso do mestre é exatamente oposto ao do analista. Este é o espaço onde o sujeito pode vir a ser numa relação dialética com o seu tempo. O sofrer tem uma relação intrincada entre vicissitudes do sujeito e processos sociopolíticos. Aqui dialoga com Fanon, para quem é imprescindível uma leitura política do sofrimento e do adoecimento. As condições de sofrimento de um adolescente negro de periferia estão em que sentido para o pesquisador? 3. Uma postura desinstitucionalizante como ethos de cuidado. Para Lacan cuidado está atrelado à ética, ou seja, não diz da técnica, mas do modo de ver o outro e se relacionar com ele: deve partir deste a condução a ser dada ao cuidado de que precisa. Descentra-se do discurso do mestre. Para Fanon, o manicômio não é o lugar de cuidado, porque ele é totalizante, alienador; ele primeiro habita o olhar. Ao lidar com autolesão, então, é preciso desinstitucionalizar o olhar, para ver as forças que forjam o sofrer. Desta forma, o cuidado não estaria somente nos consultórios ou hospitais; não somente na Academia como locus do saber sobre as autolesões. Vislumbra-se um modo de cuidar no dia a dia, nas rodas de conversas, nas escolas, nas comunidades.
Aprendizados Fanon desafia a psicanálise a alçar seu olhar a partir de outras categorias, a fim de potencializar o reconhecimento da alteridade no sofrimento. Não se trata de absorver o outro em nosso olhar, mas de reconhecer sua existência considerando os processos psisociocopolíticos e de dominação que o atravessaram. Desestabiliza-se o olhar de mestre-saber do pesquisador para avançar no campo de pesquisa.
Análise Crítica
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