45104 - SUICÍDIO COMO UM CONTÍNUO APARATO DE GUERRA: INTERSECCIONALIDADE, NEOLIBERALISMO E POLÍTICAS DE MORTE LUANA LIMA - UNB, WANDERSON FLOR DO NASCIMENTO - UNB
Apresentação/Introdução O fenômeno do suicídio é um grave problema de saúde pública mundial. De acordo com o último relatório temático da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2019), mais de 700.000 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos. Entre 2010 e 2016, a taxa global de ocorrências diminuiu em todas as regiões do mundo, com exceção das Américas, que seguiu em curva ascendente (OMS, 2019). Como as vulnerabilidades, a interseccionalidade e os condicionantes sociais da saúde podem influenciar os modos de viver, morrer e matar-se? O ato suicida corresponde a um ato de autonomia? Que conceito de autonomia está em jogo nesse debate? O suicídio manifesta-se como resistência, um ato descolonizador ou pertencente à performance subjetiva neoliberal? Pode ser o sujeito negligenciado, conduzido ou induzido à morte? Os sujeitos podem ser suicidados pela sociedade? Como garantir e efetivar políticas públicas de cuidado, prevenção e posvenção do suicídio? Levando em consideração o contexto colonial-neoliberal brasileiro e o estatuto do sujeito sofrente, esse trabalho analisa os estatutos que balizam a disputa discursiva em torno do suicídio, desde uma crítica à interpretação individualizante e medializante à leitura do suicídio como um ato relacional.
Objetivos Objetivou-se produzir uma análise bioético-política e interseccional acerca do fenômeno do suicídio no Brasil.
Metodologia Pesquisa qualitativa - revisão crítica da literatura.
Resultados e discussão Apesar a multifatorialidade ser um consenso na suicidologia, observa-se a predominância histórica e discursiva da psicopatologização do suicídio, cujas implicações individualizantes tendem a aprisionar, restringir e/ou empobrecer narrativas, existências e a própria produção de conhecimento temático. Em contraposição, pulula uma tendência, especialmente na bioética, de descentralizar ou relativizar o argumento do suicídio como parte ou efeito de um transtorno mental para exaltar o argumento da escolha pessoal, da autonomia. Esta não implica necessariamente uma autonomia em relação e no contexto, vinculado às especificidades do cenário sociopolítico brasileiro cerceado de violências, desigualdades e vulnerabilidades, que, em última instância, precarizam vidas e limitam a autodeterminação. Isto posto, os dados epidemiológicos salientam os suicídios entre as populações vulnerabilizadas, como as populações negra, indígena, LGBTQIAP+, idosa, jovem etc., que parecem carregar a morte como expectativa de vida. Essas zonas de exclusão e mortificação, que compõem a interface entre o suicídio e a interseccionalidade, denunciam não apenas a escala ontológica que repousa nos modos de vida vigentes, mas parecem denunciar igualmente, um mundo que não produz desejo de vida nos viventes. Não se trata então, de negar uma interpretação possível do ato suicida como gesto autônomo, mas refletir se o suicídio não pode ser uma resposta e/ou performance subjetiva pertencente aos scripts neoliberais, sobretudo em um contexto desigual, racista, classista, patriarcal, lgbtfóbico, capacitista, etc., como o do Brasil. O neoliberalismo, cujo intuito é remodelar o Estado e transformar as subjetividades (em adequação ou extinção), impõe o mercado-forma como modo de existência, agudizando as desigualdades, as condições de precarização, exclusão e falência dos laços sociais. Sob a herança e solo colonial, o neoliberalismo à brasileira, sustentado historicamente pelo aparato da violência, faz desta, eixo orientador e determinante nas gestões da vida e da morte.
Conclusões/Considerações finais Na atual lógica vigente de “guerra”, de relações bélicas, inclusive consigo próprio, o suicídio é pautado como parte do pacote, das artimanhas e agenciamentos das políticas de morte. Frente à gestão da vida neoliberal, as implicações ou riscos do conservadorismo ou reducionismo teórico correspondem, igualmente, à propagação de modos mortificantes de viver. À vista disso, em prol da afirmação política da vida, tornam-se imperativos: a) um desaprendizado ético do conceito e da prática da autonomia, ou seja, deslocar a concepção individualista e paternalista para uma autonomia real, na relação e no contexto; b) superação dos discursos medicalizantes, estigmatizantes, morais e religiosos do ato suicida, de modo a inserir sensibilização e capacitação temática nos diversos segmentos sociais – da formação em saúde à práticas educativas em escola, segurança pública, mídia, arquitetura, etc.; c) garantir o registro de marcadores e leitura interseccional nos registros de notificação do suicídio, para ampliação aprofundada da análise dos dados e efetivação dos modos de enfrentamento; d) a defesa do SUS e a criação de um plano nacional, que oportunize, crie e fortaleça ações, projetos e políticas públicas de prevenção e posvenção do suicídio no Brasil; e) a dilatação da ideia de prevenção de suicídio: não se trata apenas de um impedimento compulsório do ato, mas sobretudo, à produção e promoção da saúde mental e vida digna, etc.
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