46895 - FARMACOÉTICA: UM NOVO ENTENDIMENTO CRÍTICO SOBRE PSICOFÁRMACOS DANILO SILVEIRA SEABRA - USP, RICARDO RODRIGUES TEIXEIRA - USP
Apresentação/Introdução Os psicofármacos atualmente compõem uma das principais estratégias de gestão das práticas em saúde mental. Seu uso e prescrição, a despeito de heterogeneidades em sua distribuição, aumentam impulsionados pela indústria farmacêutica (MONCRIEFF, 2013). Esta “epidemia” de psicofármacos está fortemente associada ao fenômeno de medicalização (CONRAD, 2007) e à exportação colonial do conceito de mente (ANTIĆ, 2022). Antes que simples ferramentas terapêuticas, os psicofármacos produzem subjetividades no regime biopolítico do capital (ROSE, ABI-RACHED, 2013; PRECIADO, 2018). Este trabalho é parte de um projeto de mestrado em andamento, que busca renovar o cenário analítico sobre os psicofármacos.
Objetivos Propor um novo olhar analítico sobre os psicofármacos: farmacoética
Metodologia Apoiado na Teoria Ator-Rede (LATOUR, 2012) com sua díade conceitual de ator e rede é analisado a literatura pertinente sobre o tema.
Resultados e discussão A medicalização é um conceito descritivo importante e seu principal uso analítico é crítico e de oposição ao fenômeno (CONRAD, 2007). Existe um risco que certos usos da medicalização trazem para o pensamento em saúde coletiva acerca dos psicofármacos: considerar sua prescrição como negativa por princípio e a princípio. Isto seria apenas uma forma de restaurar o corte colonial entre “drogas” proibidas e “remédios” permitidos, através de um tipo de proibicionismo às avessas, onde o objetivo do pensamento progressista na saúde seria a transformação dos psicofármacos permitidos em “drogas” proibidas.
Após as duas Grandes Guerras, o mundo europeu, através do fenômeno colonial, exportou a maneira singular de recortar o problema dos psicoativos, decidindo, sem consideração de especificidades locais, as substâncias permitidas e as proibidas (CARNEIRO, 2018). A saúde coletiva não pode operar de acordo com esta maneira de recortar o problema das substâncias, mesmo que de maneira oposta ao proibicionismo clássico. De acordo com Nikolas Rose (2007), é preciso ir além da medicalização e compreender que é impossível emitir um juízo geral sobre os psicofármacos ou qualquer psicoativo.
As situações que os psicofármacos atuam são muito amplas e heterogêneas. Por exemplo, a prescrição de sertralina em uma unidade de saúde sem grupos de saúde mental e poucas ferramentas de lazer no território é muito diferente da prescrição de sertralina em um território com essas estratégias disponíveis. É diferente utilizar um mesmo psicofármaco em uma criança e em um adulto. O uso de psicofármacos em um centro especializado, com maior densidade tecnológica e gravidade dos casos, é diferente comparado à atenção primária.
Todos os exemplos acima revelam a multiplicidade de situações de saúde que os psicofármacos atuam. Cada cenário, território, população, tipo de fármaco, questão de saúde são mediadores que produzem as diferenças nos efeitos dessas substâncias. A tendência de aumento global e a “epidemia” dos psicofármacos não pode ser vista como dentro de uma negatividade “em si”, é preciso uma lupa para avaliar cada situação e compreender com sobriedade o tipo de saúde ali produzida.
Este trabalho propõe um conceito, a farmacoética, que pode auxiliar no campo analítico sobre essas substâncias. Seu valor “crítico” consiste em, utilizando uma expressão de Latour (2021), estar em uma “proximidade crítica” com o cenário que pretende analisar. Portanto, é um conceito incapaz de operar uma valoração ética fora da própria situação de saúde. Sua potência é convocar todos os atores envolvidos a revelar sua parcialidade e interesse. Ética, saúde e conhecimento são esferas intrinsecamente relacionadas (TEIXEIRA, 2004).
O campo de pensamento proposto pela farmacoética implica a existência de saúdes com destaque para o “s” (Ibidem, 2020). Isto é, não existe um caminho único ou correto a priori em relação a uma dada situação. Cada situação implica um certo tipo de produção de saúde e é importante um olhar atento da saúde coletiva sobre os modos de produção de saúde que os psicofármacos colocam em movimento.
Conclusões/Considerações finais A farmacoética pode oferecer um novo lar para o entendimento dos psicofármacos, afastado do corte proibicionista colonial que define de antemão o que pode e o que não pode. Antes de promulgar uma nova verdade geral sobre os fármacos, o foco consiste em, precisamente, não conhecer nada, antes de partir para um campo prático, sobre as múltiplas afetações que essas substâncias promovem nas dimensões da vida e nos modos de produção de saúde e de corpos. As situações que os psicofármacos estão inseridos é onde as disputas ocorrem: transtornos mentais, relações de gênero, sistemas de saúde, questões de classe, oferta de tratamento, etc. É preciso desenvolver um novo olhar, um olhar ético e valorativo, mas que não sabe nada sobre universalidades; olhar que busca compreender situações específicas e fornecer um guia sobre uma realidade que, quer gostemos ou não, a saúde coletiva se depara: os psicofármacos.
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