48249 - COMPOSIÇÕES DO CUIDADO NA RAPS: NAS TRINCHEIRAS DA SAÚDE MENTAL EM NATAL-RN. ANA CAROLINA RIOS SIMONI - UFRN, CANDIDA BEZERRA DANTAS - UFRN, JADER FERREIRA LEITE - UFRN
Contextualização Este relato de experiência refere-se a um projeto de extensão iniciado em 2021 para construir e compartilhar com os serviços de Atenção Psicossocial do município de Natal espaços e ações de atenção em saúde mental e educação permanente em saúde (EPS). Considera o momento delicado da construção da Reforma Psiquiátrica brasileira, marcado por retrocessos recentes, cujos efeitos se agravaram com a pandemia de Covid 19 e a crise econômica e social que a acompanhou. Parte da premissa de que a produção da saúde numa perspectiva antimanicomial está relacionada ao princípio da equidade e, portanto, requer a construção de dispositivos nos quais usuários e trabalhadores de saúde compõem vivências, saberes e agires para romper com as lógicas patologizantes/manicomiais/racistas/sexistas/LGBTfóbicas e criar modos de cuidar de si e dos outros no território.
Descrição O projeto envolve a oferta de espaços de EPS, como rodas de conversa, reuniões de construção de casos em rede e oficinas temáticas para estudantes e trabalhadores de saúde mental, assim como de espaços terapêuticos individuais e coletivos, como acolhimentos psicossociais, acompanhamentos terapêuticos, oficinas e grupos realizados em três Centros Atenção Psicossocial e no Serviço Escola de Psicologia da UFRN. Desde o início do projeto, participaram cerca de 60 trabalhadores da RAPS de Natal, 30 alunos da UFRN de graduação e pós-graduação e, aproximadamente, 100 usuários de saúde mental.
Período de Realização Esta experiência vem se realizando desde março de 2021 até o presente momento.
Objetivos O projeto tem como objetivos: construir com os serviços de Atenção Psicossocial do município de Natal e o Serviços Escola de Psicologia (SEPA) espaços e ações de atenção em saúde mental e EPS com vistas a gestar práticas de cuidado sensíveis aos marcadores sociais da diferença (raça/cor, classe, geração, gênero e sexualidades); fortalecer a reforma psiquiátrica no município de Natal; qualificar a formação dos alunos da UFRN e dos trabalhadores de saúde do SUS de Natal na área da saúde mental, a partir da inclusão nos territórios do cuidado de uma práxis crítica interseccional e decolonial; e promover equidade em saúde mental à população atendida, tecendo conhecimentos no encontro com a diversidade das vivências dos participantes do projeto e com eles.
Resultados Como resultados temos colhido experiências de formação de estudantes e trabalhadores em que se faz presente o exercício de fazeres clínico-políticos que acolhem alteridades e singularidades. Temos acompanhado a construção e o desdobramento de trajetórias singulares de formação e de cuidado, na direção da constituição de um agir-aprender-cuidar, em que os marcadores sociais da diferença comparecem nas análises críticas interseccionais e decoloniais dos processos vivenciados, abrindo caminhos para o cuidado compartilhado no território.
Aprendizados As experiências vivenciadas tem nos ensinado que a reforma psiquiátrica brasileira, em seu caminho já trilhado e horizonte aberto, não se faz fora da democracia. Uma democracia gestada cotidianamente nos encontros entre os atores sociais que habitam os territórios da saúde pública. Uma democracia que reconhece o valor dos saberes da experiência de sujeitos e coletivos e coloca em suspensão a lógica hierárquica que reproduz a estrutura social de hegemonia dos saberes dos experts/especialistas. A ciência a serviço das forças hegemônicas expropria cotidianamente sujeitos e coletivos de sua potência de discursivização e gestão, na diferença, da vida singular e coletiva. Neste processo, a desconstrução do mito da democracia do sofrimento mental – que atingiria igualmente as pessoas independentemente de classe social, gênero, geração, raça/cor e etnia – é urgente tarefa. Neste percurso de aprendizados, temos ousado o encontro entre a psicanálise, a atenção psicossocial e os estudos queer e decoloniais.
Análise Crítica Testemunhando os efeitos na saúde mental das políticas de morte operadas pelo Estado, nos colocamos da trincheira da saúde mental, a partir do projeto "Composições do cuidado na RAPS", nos espaço-tempos da atenção psicossocial de Natal, lado a lado com os trabalhadores para sustentar o cuidado nas situações mais desafiadoras. O caminho tem sido árduo, pois nos encontramos com profissionais exaustos, em sofrimento psíquico, desempoderados e desesperançosos com a possibilidade do cuidado em liberdade. Lidamos com fluxos de rede enrijecidos e burocratizados e com conflitos entre serviços e trabalhadores, ao tentarem operar o cuidado em rede. Entendendo que não há ato que não revele uma posição no laço social e, portanto, que não seja de natureza ético-política, este projeto se nomeia (com)posições do cuidado na RAPS, assumindo posições fronteiriças de experiências: onde a clínica, a cultura, a política e a educação se encontram e se interrogam para resistirem à produção de corpos abjetos, alargando os limites instituídos da clínica e refazendo seus contornos.
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