Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC33.1 - Política de ST / VISAT e Precarização do Trabalho I

46728 - A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO EM SAÚDE NA INTERFACE TRABALHO, POLÍTICA E PANDEMIA
MÁRCIA VALÉRIA MOROSINI - FIOCRUZ, ANGELICA FERREIRA FONSECA - FIOCRUZ, MARCIA TEIXEIRA - FIOCRUZ, CARLA CARNEIRO - FIOCRUZ, CAROLINA KRIEGER - CMS/POA, RENATO SANTOS - UFRB, FILIPPINA CHINELLI - UFRJ


Apresentação/Introdução
A ampliação do direito à saúde associado à expansão da Atenção Básica, contraditoriamente, se fez à custa dos direitos dos trabalhadores cujo trabalho viabilizou a ampliação do acesso à saúde. A terceirização foi amplamente empregada, com formas mais ou menos providas de direitos, assim como foi difundida a ideologia gerencialista na gestão dos serviços e organização do trabalho que sobrevaloriza os resultados mensuráveis em detrimento de processos não quantificáveis, de caráter intersubjetivo e fundamentais para o cuidado em saúde. As metas da gestão foram se impondo às metas do cuidado e transformando o processo de trabalho, retirando, por exemplo, tempo dos ACS nos territórios, de visitas domiciliares e atividades educativas para cumprimento de atividades de registro ou burocráticas. No contexto mais recente, outras questões surgiram ou foram reforçadas a partir das alterações nas políticas relativas à AB, desde a publicação da PNAB 2017, que trazendo implicações para o modelo de atenção, a organização e a gestão dos serviços. Ampliam a precarização do trabalho, ao mesmo tempo em que restringem o direito à saúde. Tais mudanças se associaram ao sofrimento e desgaste produzidos no trabalho de enfrentamento à pandemia de Covid-19, assim como diante do agravamento das condições sanitárias e sociais da população brasileira, intensificando as dimensões objetivas e subjetivas do trabalho em saúde estudadas na pesquisa aqui relatada.

Objetivos
A pesquisa intitulada Desafios do Trabalho na Atenção primária em saúde na Perspectiva dos Trabalhadores buscou analisar o processo de precarização do trabalho na Atenção Básica, em relação com o contexto pandêmico, o agravamento da crise social e sanitária e as mudanças promovidas pela PNAB 2017, em Palmas, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e Salvador.


Metodologia
Pesquisa qualitativa, com realização de entrevistas com os trabalhadores da equipe mínima da ESF (médico, enfermeiro, técnico e auxiliar de enfermagem e agente comunitário de saúde) e com utilização de dados quantitativos levantados no CNES e no e-gestor. A precarização foi analisada em três eixos de questões: 1) O trabalho na pandemia; 2) O trabalho diante da crise social e sanitária; 3) O trabalho diante das mudanças na organização das equipes e da rede.

Resultados e discussão
No eixo "trabalho na pandemia", identificou-se a necessidade de adaptação à reorganização do processo de trabalho; a falta de informação e capacitação para o trabalho durante a pandemia; a dificuldade de acesso a equipamentos de proteção individual em quantidade e qualidade adequadas; a necessidade de lidar com a morte (algo, até então incomum na APS); a intensificação do trabalho pelo adoecimento e afastamento de colegas; a suspensão de férias e a diminuição do tempo para descanso o que aumentou ainda mais o desgaste provocado pelo trabalho. No eixo "Trabalho diante da crise social e sanitária", destacou-se o agravamento das condições clínicas dos usuários e pelo surgimento de novas condições clínicas (derivadas ou não da COVID) e associadas à deterioração das condições econômicas e sociais. Identificou-se uma nova intensificação do trabalho produzida pela piora nas condições de saúde da população. No eixo Trabalho diante das mudanças na organização das equipes e da rede, foram especialmente importantes a nova configuração do trabalho, com a criação ou o crescimento de equipes do tipo “Atenção Primária” que representa uma inflexão em direção a um modelo de atenção que se afasta das diretrizes da ESF; a reconfiguração do trabalho pela diminuição da presença dos ACS nas equipes – seja de eSF ou nas eAPS que já não prevêem esse trabalhador em sua composição; o desmonte dos NASF que representava uma rede de suporte ao cuidado; as dificuldades de encaminhamento para outros âmbitos de atenção, problema crônico agravado com as situações decorrentes da COVID (pós-COVID), a transmorbidades e a sindemia.

Conclusões/Considerações finais
Os trabalhadores, em geral, demonstraram apreço e compromisso pelo trabalho e o reconhecimento da importância da APS frente aos desafios produzidos pela crise sociosanitária. O afastamento em relação ao modelo de atenção da ESF tem se dado com custos objetivos – de modificação do escopo do trabalho dos diferentes profissionais – mas tb subjetivos com estranhamento e insatisfação em relação ao que fazem e o que gostariam ou consideram que deveriam estar fazendo. As tensões que recaem sobre a ESF, associadas às mudanças nas políticas sociais e ao contexto pandêmico, promoveram deterioração das condições e relações de trabalho, com efeitos objetivos e subjetivos que vulnerabilizam os trabalhadores. Destacou-se o sofrimento decorrente das dificuldades de realização do trabalho nos moldes de qualidade identificados com a APS integral, territorializada e participativa e para a efetivação do direito à saúde. Notou-se o efeito positivo das ações de solidariedade e resistência, com dimensões variadas, tanto de apoio material e emocional oferecido entre colegas ou por usuários, como a organização coletiva, por meio de sindicatos e movimento sociais em defesa dos direitos dos trabalhadores, do direito à saúde e contra a privatização do SUS.