02/11/2023 - 08:30 - 10:00 COC4.1 - Estigma, discriminação e modos de cuidar em saúde mental. |
46023 - POSSIBILIDADES EMANCIPATÓRIAS DA TECNOLOGIA SOCIAL DA MEMÓRIA NO CAMPO DA SAÚDE COLETIVA JAILTON THULHER DO ROSARIO - UFRJ, NEIDE EMY KUROKAWA E SILVA - UFRJ
Apresentação/Introdução A pandemia do novo coronavírus (COVID-19) afetou toda a humanidade com a mudança de rotinas de vida e múltiplos cuidados para proteção da saúde, exigindo uma rápida adaptação às novas formas de trabalho e relacionamento. Estas mudanças impactaram principalmente alguns grupos, como os idosos, mais suscetíveis a complicações da COVID-19, devido a sua fragilidade fisiológica em decorrência do processo de envelhecimento e as múltiplas intercorrências do vírus com outras comorbidades associadas como hipertensão arterial e diabetes melito com grande prevalência neste grupo etário. Neste cenário de emergência em saúde pública, marcado por mortes, isolamento social e acirramento de problemas sociais, pressupõe-se que, para além dos rastros de sofrimento, a compreensão das experiências dos idosos, propiciadas pela memória sobre esse período pandêmico, pode apontar novas direções para o pensar e fazer saúde junto a esse grupo. Entende-se que a memória deve ser construída pelos próprios sujeitos em contextos de vulnerabilidade e que recontar o passado pode propiciar novos futuros, indo ao encontro da Tecnologia Social da Memória (TSM), conforme proposto pelo Museu da Pessoa. Embora esse tipo de trabalho de memória não seja largamente explorado no campo da saúde, aposta-se na mesma como proposta de ação para a construção participativa do conhecimento em saúde e potencializadora de práticas de promoção de saúde ancoradas no Cuidado.
Objetivos Descrever a metodologia elaborada para a construção da memória de idosos moradores no Rio de Janeiro durante a emergência sanitária, inspirada na TSM, e analisar o processo de um dos grupos.
Metodologia A investigação envolveu dez grupos compostos por pessoas com mais de 60 anos de idade, de diversas regiões do município do Rio de Janeiro, visando cobrir diferentes estratos sociais. Cada grupo teve em média cinco participantes. Os grupos foram captados a partir de coletivos já existentes, como de atividade física, compositores musicais, religioso, etc. Seguindo as etapas previstas pela TSM, de construção, organização e socialização das histórias, foram feitos pré-testes com grupos de diferentes faixas etárias até se chegar ao formato final. Para as oficinas de construção das histórias levou-se em consideração a importância de realizá-las em um único dia, tendo em vista a dificuldade de alinhamento de agendas, em função dos múltiplos dos participantes, especialmente consultas e exames médicos. Foram realizadas sessões únicas, com duração de aproximadamente duas horas cada e constando de quatro momentos, envolvendo: 1 - exercícios de recurso à memória, expressão oral e escuta; 2 – emersão de lembranças focalizadas no contexto da COVID-19; 3 – compartilhamento das histórias e feedback dos participantes; avaliação do processo.
Resultados e discussão A proposta mostrou-se profícua no sentido de oportunizar um gradativo recurso às lembranças e de construção de narrativas, tomadas como meio de emoldurar as experiências, selecionando-se aspectos significativos das mesmas. Nas oficinas, os participantes identificaram semelhanças e diferenças nas histórias, questionando, por vezes, os contextos que as guiavam, em um movimento reflexivo sobre as experiências. Ilustra-se uma das oficinas em que tal movimento foi visibilizado. Trata-se de um dos primeiros grupos, em que participaram três mulheres, oriundas de uma das grandes favelas do Rio de Janeiro. Em cada história foi possível detectar um aspecto particular das experiências, envolvendo solidão, mas também a impossibilidade de seguir as medidas sanitárias preconizadas, especialmente em relação ao isolamento, seja por necessidade de dar suporte a familiares adoecidos e sem acesso à saúde, seja por motivo de trabalho. Notadamente nesse último caso, tratou-se do relato sobre a opressão vivida pela narradora em seu trabalho como empregada doméstica, inclusive durante a pandemia, quando foi proibida de voltar para a sua casa. Ao final, ela se indaga: “Por que será que eu aguentei tudo isso?” A esse questionamento, seguiu-se a discussão que trazia hipóteses para tal resignação, incluindo o medo de perder emprego ou de não conseguir agir de outro modo frente às ordens da patroa.
Conclusões/Considerações finais A partir da Tecnologia Social da Memória foi possível a expressão e compartilhamento das histórias, possibilitando compreender as experiências que dizem respeito a dimensões individuais das vidas dos idosos durante a pandemia, mas também da dinâmica social e cultural que as modelam. Também foi possível ter acesso as experiências daqueles que vivem a margem do poder e por vezes tem as vozes ocultadas. Por esta via, contar e socializar histórias de vida torna-se uma fecunda possibilidade de inovação no campo da promoção da saúde, valorizando as experiências pessoais, possibilitando a reflexão e a tomada de decisão na busca por melhores condições de vida e bem-estar social.
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