Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC4.1 - Estigma, discriminação e modos de cuidar em saúde mental.

46863 - AS QUE PERMANECEM: UM ESTUDO DE CASO SOBRE AS VIÚVAS DO AL-ANON
MAYA DA SILVEIRA COUTINHO - PUC-RIO, LEONARDO FERNANDES MARTINS - PUC-RIO


Apresentação/Introdução
O Relatório Global sobre Álcool e Saúde de 2018 aponta para as consequências negativas do uso dessa substância, indicando-a como problema de saúde pública. Apesar de receber menor destaque, os impactos na família são consequência relevante do uso problemático do álcool, na medida em que provoca eventos estressores, gera conflitos, promove mudanças na rotina, e sentimentos de desamparo e frustração, que, ao fim, ameaçam a própria unidade familiar. Por isso, ao tratar da questão do uso de álcool, é preciso também pensar no cuidado do usuário no âmbito intrafamiliar. Não obstante, tal problemática não pode ser dissociada de um recorte de gênero, tendo em vista que esse cuidado é, no geral, delegado às mulheres. Em uma sociedade machista, que pressupõe o cuidado como função da mulher, verificam-se efeitos da “carga do cuidador”, caracterizada por sofrimento psíquico acentuado e prejuízos cognitivos, além de sintomas de ansiedade e depressão em quem cumpre tal papel.
Assim, diante de uma questão de caráter biopsicossocial, o tratamento é pensado em rede, contemplando os CAPS-Ad (álcool e drogas), serviços da Atenção Básica, ambulatórios, hospitais e grupos de apoio da comunidade. Neste artigo, será investigado o grupo anônimo Al-anon, que reúne parentes e amigos de usuários de álcool, oferecendo um espaço para compartilhamento de experiências mediado pela tradição dos Doze Passos. Dentre os frequentadores, enfatiza-se um contingente expressivo de mulheres que participam das reuniões apesar do falecimento de seu familiar.


Objetivos
O presente trabalho busca produzir conhecimento acerca de mulheres que permanecem frequentando grupos anônimos como o Al-Anon mesmo depois da morte dos familiares que motivaram a sua procura inicial. Através de um estudo de caso, inserido em um contexto maior de pesquisa, buscou-se descrever o fenômeno e seu contexto, elucidando os elementos que contribuíram para permanência destas mulheres no grupo, bem como as dinâmicas presentes neste espaço.


Metodologia
Orientada pela Teoria Fundamentada nos Dados, a pergunta norteadora inicial propõe a compreensão das experiências de familiares nos grupos Al-Anon na cidade do Rio de Janeiro. Assim, o contato com o campo ocorreu através do acompanhamento de reuniões e da aplicação de entrevistas individuais semi-estruturadas. O registro peculiar de mulheres que permaneciam nos grupos mesmo após o falecimento do familiar com problemas com substâncias permitiu a identificação de uma lacuna na literatura da área e a proposição de uma questão de pesquisa. Trata-se do estudo de um caso típico, com uma investigação inicial que ilustra o fenômeno e seu contexto. Com a associação dos Al-Anon aos equipamentos informais de cuidado, foi possível a realização de uma análise crítica, pautada na perspectiva da saúde coletiva. Para tanto, realizou-se a análise do caso A., uma mulher de 76 anos, branca, com ensino superior incompleto, cujo marido faleceu há 10 anos e que frequenta o serviço há mais de 30 anos. A entrevista transcrita e as anotações de campo foram analisadas a partir da codificação teórica, dividida em aberta, axial e seletiva. Os dados são preliminares, pois a coleta de dados continua em curso.


Resultados e discussão
Em uma análise inicial da entrevista de A. extraiu-se um conjunto de cinco categorias analíticas: a existência de um histórico familiar de abuso de álcool(I), retratando uma história de vida que circunda em torno do tema, além da perseverança do problema em termos geracionais; a tentativa de controle do parceiro (II)que possuía problemas com álcool, questão articulada à procura do grupo; a centralidade do grupo na vida (III) de A.,a partir da escuta de histórias similares a sua e desenvolvimento de habilidades para lidar com o problema. Ademais, a presença no grupo após a morte do familiar se mostra como recurso para a elaboração da perda(IV). No entanto, essa permanência parece ir além, relacionando-se intimamente com a busca ativa pelo sentido da vida(V), compreendendo que isto seja possível sem necessariamente estar atrelado à função de cuidar.


Conclusões/Considerações finais
A história de A. ilustra a realidade de outras mulheres que vivenciam questões familiares relacionadas com álcool. Percebe-se, portanto, a oportunidade de construção de conexões por meio grupo, incluindo aquelas que envolvem o luto, bem como a busca por sentido na vida. A procura por grupos anônimos é compreendida como recurso comunitário informal e, com isso, indaga-se o quanto estes não ocupam um lugar esvaziado pela ausência de investimentos em serviços de suporte à família. Assim, o caso aponta a necessidade de ações de saúde pública voltadas para problemas com álcool, mitigando o efeito de vieses negativos das ações de grupos anônimos, não necessariamente orientados por uma lógica de cuidado em parâmetros minimamente aceitáveis. Espera-se que os demais casos a serem investigados possam contribuir para o avanço da discussão.