Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC5.1 - Gênero e sexualidades: marcadores sociais e cuidado em saúde

46378 - “ESSA ZONA DE CONFORTO EM RELAÇÃO À PROTEÇÃO FAZ A GENTE DESFRUTAR MAIS”: PRODUÇÃO DE SENTIDOS SOBRE PREP E INTRANSMISSIBILIDADE DO HIV ENTRE JOVENS GAYS INDETECTÁVEIS
FILIPE MATEUS DUARTE - ISC/UFBA, JARDEL DA SILVA VIDAL - IPS/UFBA, MONICA LIMA - IPS/UFBA, SANDRA ASSIS BRASIL - UNEB, RENATA LÚCIA E SILVA E OLIVEIRA - ISC/UFBA, LUÍS AUGUSTO VASCONCELOS DA SILVA - IHAC/UFBA


Apresentação/Introdução
Novas estratégias de prevenção e de tratamento do HIV – como a profilaxia pré-exposição (PrEP) e a carga viral indetectável (CVI) – têm produzido questões e desafios para o cotidiano dos serviços de saúde e, especialmente, nas relações afetivo-sexuais de homens cis gays jovens vivendo com HIV/aids. Ao conferir alto nível de proteção nas relações sexuais, mesmo sem a barreira física do preservativo, essas novas tecnologias farmacológicas inauguram uma faceta inédita na experiência do HIV. Noções dicotômicas e bem delimitadas sobre sexo “protegido” versus “desprotegido”, “responsável” versus “irresponsável”, “seguro” versus “arriscado” têm tido suas fronteiras borradas à medida que avança a incorporação dessas biotecnologias. Sob a perspectiva de um sexo que é farmacologicamente seguro, no qual a prevenção passa a ser interiorizada no próprio corpo pela ingestão de substâncias químicas, vê-se conferido às pessoas um novo nível de agência, controle e prazer, permitindo que experimentem uma intimidade sem medo da transmissão do HIV, ainda que persistam conflitos morais e o risco de outras IST.

Objetivos
O objetivo desse trabalho é dar visibilidade às controvérsias e aos sentidos em disputa que emergem na introdução de novas tecnologias de prevenção contra o HIV, como a PrEP e a CVI, nas perspectivas de jovens vivendo com HIV/aids.

Metodologia
Trata-se dos resultados da pesquisa “Narrativas de jovens vivendo com HIV/aids: os novos discursos biomédicos e seu impacto nas relações afetivo-sexuais (FASE II)” (ISC/IHAC/UFBA). Entrevistas em profundidade foram produzidas com 7 jovens, com idades entre 22 e 29 anos, identificados como gays vivendo com HIV e indetectáveis, em Salvador, Bahia, em 2021. As narrativas foram compreendidas como artefatos sociais produzidos em contextos interacionais, históricos, institucionais e discursivos que emergem em torno de novos acontecimentos na epidemia de HIV/aids, como o advento da PrEP, da CVI e uma nova onda de crescimento de casos de HIV entre a população jovem, especialmente negra. Fundamentados em perspectivas pós-construcionistas das ciências sociais na interface com a teoria ator-rede e o campo da saúde coletiva, analisamos como as narrativas juvenis são produzidas no interior de conflitos desse atual quadro da epidemia de HIV/aids.

Resultados e discussão
As narrativas expressam um universo polifônico, controverso e ambíguo habitado por vírus, pessoas, apetrechos preventivos e tecnologias biomédicas de tratamento e prevenção, que participam da criação do mundo em que vivemos. Delas, destacamos aspectos que persistem ao longo da epidemia de HIV, como estigmas relacionados à sorologia positiva, mas também aqueles que passam a marcar o contexto da “aids de agora”, especialmente trazidos pelas novas biotecnologias de CVI e de PrEP. Para alguns jovens, as novas biotecnologias produzem “resistências” e preocupações vinculadas à ideia de diminuição da cautela frente aos riscos do sexo sem preservativo, visto como danoso, inseguro ou moralmente reprovável. Ao sexo entendido como “sem proteção” foram convocadas imagens como desvio, patologia, loucura, descuido e promiscuidade, desconsiderando a complexidade e os significados implicados nessa prática e nos recursos acionados pelas pessoas. Sob outra perspectiva, há a emergência de outras histórias que parecem enfatizar uma atuação diferente das novas tecnologias no cotidiano de pessoas vivendo com HIV (PVHA). Por exemplo, algumas narrativas ressaltaram as biotecnologias como elementos que potencializam sentidos de segurança, liberdade, prazer e bem-estar sexual. São novas narrativas sobre o HIV/aids, efeitos inéditos e mudanças nos rumos das relações afetivo-sexuais de PVHA e suas parcerias. Desse modo, evidenciamos dimensões das experiências sexuais ligadas ao sensorial, à experimentação de maior intimidade e confiança, à redução da ansiedade relacionada à transmissão do HIV e situações em que a relação risco-prazer se coloca de forma dialogada entre parceiros.

Conclusões/Considerações finais
Para além do destacado entusiasmo com relação à proteção conferida por estratégias de base farmacológica (PrEP e CVI), tais avanços também têm sido acolhidos com desconfianças, receios e ambiguidades. As controvérsias em torno do sexo sem preservativo, concebido como um sexo “malcomportado” e associado à ideia de “irresponsabilidade” convive com evidências robustas sobre a eficácia das novas tecnologias, revelando a persistência de conflitos morais que tensionam as práticas e interações sexuais. As novas biotecnologias apareceram como actantes que fazem a diferença na tomada de decisão. As experiências relatadas pelos jovens demonstraram como as pessoas podem negociar usos, colocando na balança preocupações e interesses sexuais na medida em que desejam experimentar o prazer de forma “mais livre” e “sem barreiras”. Essas discussões podem produzir novos conhecimentos úteis para profissionais de saúde que lidam com PVHA, considerando os novos avanços biomédicos e seus desafios contemporâneos.