Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC5.1 - Gênero e sexualidades: marcadores sociais e cuidado em saúde

47148 - DESAFIOS DO CUIDAR: BARREIRAS, TENSÕES E CONFLITOS ENTRE NAVEGAÇÃO DE PARES E ADOLESCENTES HSH E TRMT PARTICIPANTES DO ESTUDO PREP 1519 EM SALVADOR-BA.
RENATA LÚCIA E SILVA E OLIVEIRA - INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA - UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA., LUÍS AUGUSTO VASCONCELOS DA SILVA - INSTITUTO DE HUMANIDADES, ARTES & CIÊNCIAS - UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA., LITZA ANDRADE CUNHA - INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA - UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA., MARCELO EDUARDO PFEIFFER CASTELLANOS - INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA - UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA., INÊS DOURADO - INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA - UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA.


Apresentação/Introdução
A prevalência para adquirir HIV ainda é desproporcionalmente alta entre adolescentes e homens jovens que fazem sexo com homens (aHSH), e adolescentes e mulheres jovens transexuais (aTrMT) (KERR et al., 2018). A Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) tem sido ofertada como tecnologia de prevenção para todos que tenham, no mínimo, 15 anos. No entanto, vulnerabilidades e barreiras dificultam o uso da PrEP para aHSH e aTrMT, impondo desafios nas práticas de cuidado a estas populações. O Estudo PrEP 1519, em Salvador, utilizou navegadores(as) de pares (NP) para acompanhar aHSH e aTrMT de 15 a 19 anos em uso da PrEP. Suas práticas de cuidado são sensíveis às características específicas e experiências vividas dos(as) adolescentes, com dilemas e desafios, que traçam cursos fluidos, abertos à trajetória de cuidado ofertada.

Objetivos
Compreender e analisar os desafios, barreiras e tensionamentos no cuidado performado por NP no acompanhamento de adolescentes HSH e TrMT de 15 a 19 anos, em uma clínica de PrEP, em Salvador, Bahia.

Metodologia
Utilizamos dados do Estudo PrEP1519, uma coorte demonstrativa de uso da PrEP entre aHSH e aTrMT, com idades entre 15 e 19 anos, denominada em Salvador “PrEPara Salvador”, em que uma equipe multiprofissional atuava na oferta de prevenção combinada de HIV, incluindo a PrEP. Um(a) NP era designado(a) para acompanhar longitudinalmente as necessidades de cada participante, acompanhar o uso da PrEP e prevenção combinada, fortalecer o vínculo com a Clínica de PrEP e com a rotina de cuidados. Os NP foram pareados com participantes a partir de características que facilitariam o vínculo (identidade de gênero, orientação sexual, raça, idade). Os(as) adolescentes se inseriram no braço PrEP (inscritos no uso diário de PrEP oral) ou não-PrEP (elegíveis para PrEP, mas não a tomaram). Analisamos os cadernos de campo produzidos por sete NP, entre maio de 2019 e setembro de 2021, a transcrição de um grupo focal e entrevistas individuais com os 7 NP. A Teoria Ator Rede subsidiou a análise deste estudo, sendo a PrEP e todos os objetos e artifícios não-humanos que envolvem o cuidado considerados. Além disso, interessam as situações e redes de interações em que estes atores estão engajados, em uma perspectiva praxiológica (MOL, 2008), a descrição dos eventos, objetos e diferentes relações que se estabelecem e interagem no uso da PrEP.

Resultados e discussão
Os(as) NP tinham representatividade LGBTQIA+, sendo 3 homens trans heterossexuais, dois homens cis gays e duas mulheres cis, uma heterossexual e uma bissexual. Com idades entre 23 e 50, a maioria se declarou preto(a) (5) e tem nível superior completo (6). As seguintes dificuldades e desafios para as práticas de cuidado se destacaram: decisões dos(as) adolescentes para mudar de “braço” durante a pesquisa (diminuição da libido, viagens, pandemia, diminuição da atividade sexual); situações do cotidiano que interferiram no uso da PrEP e eram pouco compartilhadas com os(as) NP (condições clínicas, doenças, crenças fantasiosas); interação via redes sociais repleta de hiatos e interrupções que dificultam a comunicação contínua e acompanhamento mais intensivo; adolescentes que transicionaram a identidade de gênero, sendo performadas práticas de cuidado para estas demandas (uso de pronome neutro, informações sobre hormonização e retificação do nome). Assim, as relações de cuidado entre NP e participantes são efeito de variáveis viscosas (MOL, 2008) dadas pela dinâmica da vida, por isso são abertas e fluidas. Tensões estão postas entre práticas de cuidado biomédicas (lógica da escolha) e as produzidas a partir dos dilemas, desafios e conflitos (lógica do cuidado) (MOL, 2008). Por exemplo, orientações sobre uso diário e armazenamento adequado da PrEP e relatos dos(as) adolescentes sobre condições insalubres de moradia e ingestão do comprimido sob demanda. Tais situações interferem nos protocolos de cuidado pré-estabelecidos, impulsionam novos arranjos na rede de relações, engajando atores heterogêneos (profissionais, pares, celulares, redes sociais, SISPrEP, etc.) para o alcance do “bom cuidado” (MOL, 2008). Redes de interações e cenários se modificam na transição de gênero de alguns(mas) dos(as) adolescentes, cujas vulnerabilidades exigem práticas e manejo de instrumentos que materializam e localizam tais sujeitos em suas realidades históricas e culturais.

Conclusões/Considerações finais
A PrEP é uma materialidade que faz a diferença na medida em que pode alterar uma situação ou curso de ação, reverbera em discursos, condutas, sendo compreendida como ator/actante ativo nos processos de cuidado. A sua oferta para aHSH e aTrMT impõe desafios e rearranjos nas práticas e protocolos assistenciais, pois os(as) usuários(as) são ativos(as) e produzem cuidado nas suas redes de relações, sob as condições de possibilidades dadas no manejo de artefatos e instrumentos que dispõem em suas realidades materiais. A NP evidencia que práticas de cuidado podem percorrer caminhos fluidos e abertos, em função das realidades sociomateriais dos indivíduos.