Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC5.1 - Gênero e sexualidades: marcadores sociais e cuidado em saúde

47287 - DE TRANS PRA FRENTE: SUBJETIVIDADES E PRODUÇÕES DE CORPOREIDADES A PARTIR DE EXPERIÊNCIAS DE HORMONIZAÇÃO DE PESSOAS TRANSMASCULINAS EM SÃO PAULO
MICHEL DE OLIVEIRA FURQUIM DOS SANTOS - FSP-USP, MARIA CLARA ELIAS POLO - FSP-USP, JOSÉ MIGUEL NIETO OLIVAR - FSP-USP


Apresentação/Introdução
Algumas pessoas buscam realizar alterações corporais através da utilização de hormônios sintetizados, que podem ser realizadas com diversas substâncias à base de estrogênio e antiandrogênico, ou testosterona. Uma parcela dessas pessoas são travestis e pessoas trans, e esse processo é nomeado nos espaços institucionalizados de saúde como “hormonização”. Apesar de não ser um processo necessário e escolhido por todas as pessoas trans e travestis, uma parcela significativa desse grupo busca se aproximar das representações de gênero que melhor as contemplem, e a hormonização é um dos caminhos para modificações em características corporais. A dificuldade no acesso a esse processo através dos espaços institucionalizados em saúde já foi relatada em trabalhos na Saúde Coletiva, no entanto ainda são poucos os que acompanhem e pensem sobre os efeitos da hormonização na produção de subjetividades, na saúde mental e na saúde sexual. Este resumo é possível a partir do recorte da pesquisa de mestrado que acompanhou pessoas transmasculinas na busca por processos de transição, especialmente a hormonização. Essas pessoas acompanhadas apontaram que seus conhecimentos sobre o uso de hormônios como a testosterona tiveram início e são aprimorados nas trocas com outras pessoas trans e travestis em redes sociais como Youtube e comunidades no Whatsapp. Os corpos são lidos pelas áreas da saúde, especialmente as relacionadas às narrativas biomédicas, ainda em um CIStema binário, considerando a cisgeneridade uma universalidade, por isso um cuidado em saúde adequado às populações trans e travestis - em suas interseccionalidades - deve passar por um compromisso contracolonial diante da cisnormatividade.

Objetivos
Analisar os efeitos nas subjetividades, no cotidiano e nas relações nas experiências de hormonização de três pessoas transmasculinas da cidade de São Paulo, e como (e se) as políticas públicas de saúde institucional lidam com essas mudanças.

Metodologia
Durante a pesquisa de mestrado foram acompanhadas três pessoas transmasculinas, com idade entre 21 e 30 anos, através de duas ONGs na cidade de São Paulo. Esse campo foi realizado através de uma empreitada etnográfica, com encontros semanais, a partir do interesse dessas pessoas em realizar a hormonização com testosterona em serviços institucionalizados de saúde. Esse período de campo durou entre maio de 2019 e junho de 2021 - registrados em diário de campo de forma sistemática e densa -, mas que se estendeu no período de pós-campo e escrita, até março de 2022. A etnografia assumida aqui é uma etnografia contaminada que compreende nas teias de afetos que são construídas entre pesquisador e companheiras de pesquisa um fazer prático científico-acadêmico, considerando os saberes de grupos subalternizados e que, historicamente, não estão nos espaços de produção de conhecimentos acadêmicos e de decisões de políticas públicas, como pessoas trans e travestis.

Resultados e discussão
No acompanhamento cotidiano e constante com essas três pessoas transmasculinas emergiram relatos sobre as mudanças em relação à autoestima, a autopercepção corporal, aos relacionamentos afetivo-sexuais e a satisfação sexual, além das dificuldades em lidar com essa outra corporeidade e os efeitos dela nas redes de relações que estavam inseridos.O aumento do interesse em relações sexuais, rapidez para chegar ao orgasmo e aumento da agressividade foram mudanças compartilhadas e que não eram dialogadas nos espaços de saúde insitucionalizadas em que eles participavam. As mudanças corporais também foram relatadas como etapa significativa para o posicionamento em relação a exigência do uso do nome social, pronomes correspondentes e para se sentir parte da comunidade trans/travesti. O uso de redes sociais como o Youtube são os espaços onde essas três pessoas utilizaram para conhecer os usos, perigos e efeitos da hormonização com a testosterona.

Conclusões/Considerações finais
As alterações nos corpos que emergiram nas falas de meus interlocutores em hormonização tinham relação próxima com um aumento nas quantidade de relações sexuais e de orgasmos, que surge como um tema ainda a ser acompanhado de forma que essas experiências possam ajudar no debate, ainda limitado no Brasil, sobre saúde sexual e satisfação sexual de pessoas trans e travestis, e ainda mais de pessoas transmasculinas. A testosterona, ou T*, se tornou um mediador do mundo, das emoções, dos sentidos, mas também das relações das pessoas transmasculinas que dividiram suas experiências, logo, os processos de adaptação dessa tecnologia devem ser acompanhados para compreender as formas de produção de outras possibilidades de corporeidade. É essencial que a saúde também conheça - aqui com contribuições das ciências humanas - as dinâmicas e a circulação de saberes nas redes sociais, como o Youtube, sobre hormônios que aparecem como peças-chave na construção de relação, formas de cuidado, possibilidades de corpos e de performatividade, além de permitirem uma construção coletiva de ser e existir.