Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC7.1 - Das Periferias ao Centro saberes em movimento

47275 - TERRITÓRIOS EM DISPUTA: REFLEXÕES SOBRE AS VOZES PRESENTES NA EMERGÊNCIA YANOMAMI
ADRIANO DE LAVOR - ENSP/FIOCRUZ


Contextualização
A Terra Indígena Yanomami ocupa um território de 96 mil km², entre os estados de Roraima e Amazonas. No início de 2023, o avanço da mineração ilegal no território causou impactos na vida e na saúde dos indígenas. O alto número de mortes de crianças por causas evitáveis (570, entre 2019 e 2022) levou o Ministério da Saúde (MS) a declarar Emergência em Saúde Pública de Interesse Nacional (Espin) na região e a criar um Centro de Operações Emergenciais em Saúde (COE) em Roraima. Integrante do COE, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) a instituição enviou, em março, três equipes de comunicação à TIY com a missão de produzir de informações que fortalecessem as ações de intervenção e promovessem a escuta dos indígenas impactados pela crise.

Descrição
Como integrante da equipe do Programa Radis que foi a Boa Vista, acompanhei o trabalho do COE-Yanomami, registrando o cotidiano da Casa de Saúde Indígena, a atuação de voluntários e profissionais de saúde e a remoção de pessoas doentes da TIY. Além do registro das declarações oficiais e do acompanhamento diário das atividades do COE-Yanomami, foi possível mapear as vozes presentes nos diferentes territórios (físicos e virtuais) da Emergência, identificando visibilidades e invisibilidades, bem como as disputas sobre os sentidos da emergência sanitária.

Período de Realização
A reflexão parte da produção de material jornalístico para o Programa Radis durante a Emergência Yanomami, em março de 2023 e continua acompanhando os desdobramentos da crise.

Objetivos
A reflexão visa identificar, sob o ponto de vista teórico do campo da Comunicação e Saúde, a disputa por territórios travada por diferentes órgãos e instituições públicas e privadas na condução da Espin declarada na Terra Indígena Yanomami. A ideia é mapear as vozes presentes no COE-Yanomami, identificar visibilidades e invisibilidades, bem como as disputas sobre os sentidos da emergência sanitária. Também pretende-se registrar diferentes interlocuções, interseções (e muitas vezes interdições) entre atores e instâncias de tomada de decisão sobre prioridades, desafios e limites impostos pela crise, refletindo-se assim sobre o papel da comunicação em uma emergência sanitária, de modo sugerir práticas comunicativas que promovam uma interlocução equânime entre os atores que atuam no enfrentamento à crise.

Resultados
São muitas as vozes identificadas em uma emergência sanitária e são muitas as disputas por território travadas, principalmente nas tomadas de decisão. Neste contexto, as ações de comunicação que se estabelecem entre as diferentes instâncias de enfrentamento da crise, e destas com a sociedade — incluindo-se aí as mídias — também variam, dependendo de quem aparece (como protagonista ou como personagem) e de quem está autorizado a se pronunciar. Nesta dinâmica de disputa por visão de mundo, também é possível identificar quem é invisibilizado e silenciado. No caso da Emergência Yanomami, diferentes atores encenavam esta disputa (Técnicos de diferentes ministérios, profissionais do DSEI YY, pesquisadores, voluntários da Força Nacional do SUS e de outras instituições, além de representantes de organizações indígenas e de universidades, entre outros). Ao mesmo tempo em que tentavam atender às demandas emergenciais e resolver problemas crônicos do território, os atores se depararam com a ausência de um planejamento de comunicação, resumindo as ações ao compartilhamento de informações técnicas e dados e/ou divulgação pública de resultados, o que reforçou o protagonismo de setores com maior poder e silenciou atores considerados “mais vulneráveis” — notadamente lideranças e organizações indígenas.

Aprendizados
É preciso amplificar os canais de escuta e de interlocução em crises sanitárias, sob o risco de as respostas ignorarem as reais necessidades de quem sofre seus efeitos. A ausência de um planejamento estrutural das ações de comunicação impactou o trabalho do COE, fazendo com que as respostas dadas à sociedade fossem insuficientes (ou, no mínimo, pouco convincentes). O resultado da falta deste planejamento pode ser verificado no silenciamento das lideranças e organizações indígenas na tomada de decisões e na proliferação de notícias falsas sobre o que acontecia na TIY.

Análise Crítica
O campo da Comunicação e Saúde tem muito a contribuir com as ações de uma emergência sanitária, indicando abordagens que superem o paradigma informacional. É preciso incluir a comunicação na estruturação de qualquer resposta à uma situação sanitária, assim como é preciso assegurar que os atores envolvidos possam ter condições equânimes de voz e de escuta na tomada de decisões. Deste modo é possível promover a interlocução entre diferentes setores, tornando ao mesmo tempo consistente e qualificada a resposta que se dá à crise, respeitando-se diferentes visões de mundo e promovendo ações de comunicação que respeitem a diversidade.