02/11/2023 - 13:10 - 14:40 CO3.3 - Formação crítica, sensível: o olhar para a Saúde Mental e a Promoção da Saúde |
46477 - SAÚDE, OPRESSÕES E DESAFIOS INSTITUCIONAIS NA UNIVERSIDADE: REFLEXÕES A PARTIR DE UM CASO DE ACOMPANHAMENTO PSICOSSOCIAL LEONARDO SIMÕES FREIRE - UFF, THAYNÁ DE OLIVEIRA MOREIRA RODRIGUES - UFF
Contextualização A Equipe de Monitoramento e Acompanhamento, composta por psicólogo, enfermeira e psiquiatra, faz parte de um setor de saúde estudantil de uma universidade pública no Rio de Janeiro. O objetivo da equipe é ofertar orientação e suporte a professores e coordenadores em casos complexos de saúde em estudantes universitários. Esse trabalho começou após tensões e disputas que os profissionais estabeleceram dentro do setor, demarcando a importância de se construir respostas de cuidado, mesmo nos casos que não envolvessem assistência direta aos estudantes. Essa disputa se relaciona ao entendimento de que as relações estabelecidas na universidade têm papel fundamental no processo saúde-doença, e portanto os casos não devem ser tratados de maneira isolada.
Descrição A coordenação da moradia estudantil nos procurou, buscando apoio psicológico para A., estudante que apresentava problemas de relacionamento, e seria suspense da moradia. Foi solicitado que acompanhássemos a notificação da suspensão, mas entendendo que isso prejudicaria a construção de vínculo, nos propusemos a fazer um acolhimento com elu, após a notificação.
Período de Realização De janeiro de 2023 até o presente.
Objetivos Acompanhar e estudante A., articulando relações com a rede de saúde e a universidade, visando a seu bem-estar e sua permanência na universidade e na moradia estudantil.
Resultados Em nosso primeiro contato, A. disse que se sentia injustiçade pela suspensão da moradia. Contou que é um espaço importante para elu, pois ajuda a se organizar, por estar dentro da universidade, e evitar distrações que teria ao viver em outro local. Elu não sente a família como um ponto de apoio; no período em que viveu com a família morou com a mãe, a irmã e o cunhado, com quem teve muitos conflitos. Também morou com a avó numa favela, onde viveu experiências de intolerância religiosa por parte de traficantes, fazendo com que se mudasse. Conta sobre experiências vividas em outras cidades, onde chegou a passar por unidades de abrigamento. Elu demonstrou uma condição psíquica fragilizada, chegando a falar de ideação suicida, além de apresentar elementos delirantes no discurso. Ao apontarmos que seria interessante procurar o CAPS para tratamento, A. contou que já passou por CAPS e os remédios que tomava não lhe faziam bem; conta, ainda, que o lugar onde sente que teve um tratamento melhor foi uma casa que acolhe pessoas LGBTQIAPN+. Apontamos que a ideia de afastá-le da moradia poderia trazer prejuízos à sua saúde e deveria ser revista, mas a decisão foi mantida.
Pouco depois da notificação, A. teve uma crise, e nós e levamos até o CAPS de referência. Devido à falta de apoio familiar, foi recomendado que elu fosse levado a um Hospital Psiquiátrico, onde acabou sendo internade. Durante a internação, fizemos visitas, para poder dar algum amparo a elu. A. relatava maus tratos por parte da equipe do hospital, e um forte sentimento de solidão. Dentre vários pedidos que nos fez, principalmente relacionados à sua alta, foi marcante o pedido de um abraço, revelando necessidade de contato humano, que não parecia ser oferecido ali. Em reunião com a equipe do hospital, alguns profissionais falavam delu com certo escárnio, em especial no que se refere à sua sexualidade, como ao associar o fato delu se declarar uma pessoa não-binária a um delírio.
Atualmente A. voltou à moradia estudantil, e comparece com frequência ao acolhimento que oferecemos. Faz tratamento no CAPS, mas deseja interromper, pois não gosta dos efeitos das medicações, além de sentir que não é “doente” como os outros pacientes; elu segue indo por se sentir obrigado, e ter receio de ser expulso da moradia estudantil caso não siga o tratamento. Não há queixas expressivas contra elu por parte dos outros residentes.
Aprendizados O caso de A. revela aspectos importantes do trabalho com saúde dos estudantes universitários. Primeiramente, é importante construir uma articulação com a rede pública de saúde, especialmente ao tratar de casos complexos como o delu. Devemos também pensar sobre a relação entre problemas de saúde preexistentes e os que são gerados na própria universidade: A. havia iniciado tratamento em alguns locais antes de entrar na universidade, mas a suspensão da moradia estudantil também pode ter tido impacto em sua crise. Outro aspecto fundamental é o fato de A. ser marcado por uma série de opressões: é ume jovem negre, LGBTQIAPN+, que viveu em favelas. Ao ser viste como ameaça na moradia estudantil, certamente esses marcadores são acionados. Além disso, as opressões produzem sofrimento, impactando na saúde mental.
Análise Crítica Certamente a universidade não consegue dar conta de todos os problemas sociais que produzem adoecimento nos estudantes, entretanto é fundamental que possa produzir conhecimento teórico e práticas que apontem para a superação das opressões, para que ela própria não contribua para esse adoecimento. Também é importante que, nas relações com a rede de saúde, possamos criar brechas para questionar a lógica manicomial, produtora de sofrimento e desumanizadora.
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