Comunicação Oral

02/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO9.2 - Racismo, formação e saúde

46611 - DESIGUALDADES RACIAIS NO CUIDADO DO PÉ DIABÉTICO NO BRASIL E O POTENCIAL DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE COMO FATOR PROTETOR
JULIA SOTO RIZZATO - UNICAMP, CLARICE NUNES BRAMANTE - UNIVERSIDADE DE SOROCABA, ISABELLA BAGNI NAKAMURA - UNICAMP, MARCUS TOLENTINO SILVA - UNIVERSIDADE DE SOROCABA, TAÍS FREIRE GALVÃO - UNICAMP


Apresentação/Introdução
O pé diabético é uma síndrome que afeta os pacientes de diabetes mellitus sem um tratamento efetivo. As complicações relacionadas ao pé diabético são um problema de saúde pública, afetando até 15% das pessoas com diabetes. Pessoas com pé diabético tem mais dores no corpo, piora nas funções fisiológica e menor qualidade de vida quando comparados com pacientes com diabetes que não possuem pé diabético. Para evitar essas consequências, o exame dos pés é um procedimento que deve ser regularmente realizado em todos os pacientes com diabetes, visando avaliar o risco e prevenir o desenvolvimento do pé diabético. Essa boa prática pode sofrer influência de vieses, como o racismo e resultar na falta do melhor cuidado com o paciente. Vieses no tratamento de pessoas negras são comuns no sistema de saúde e resultam em recomendações de tratamento mais precárias, expectativas de aderência, manejo de dor e empatia com essa minoria. Em países que vivenciaram séculos de escravidão, como o Brasil, as consequências na saúde da discriminação podem representar um cenário ainda pior, sendo necessárias ações focadas nessa população que visem mitigar o racismo no cuidado, uma vez que ainda hoje faltam evidências sobre o efeito do racismo no cuidado das pessoas com diabetes no Brasil.

Objetivos
Avaliar como racismo atravessa o cuidado de pacientes com diabetes por meio de análise da negligência na avaliação do pé diabético no Brasil e o papel da atenção primária à saúde.

Metodologia
Estudo transversal de base populacional que analisou os dados provenientes da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019. A PNS é uma pesquisa periódica realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, com representação nacional que busca estimar o estado de saúde, estilo de vida, acesso aos serviços de saúde e continuidade no cuidado da população. O questionário foi dividido em domiciliar, de todos os residentes e individual. O IBGE define a cor da pele/ raça/ etnia nas seguintes categorias: preto para cor da pele retinta, branco para cor da pele clara, amarelo para asiáticos, pardo para brasileiros miscigenados e indígenas para descendentes de povos nativos do Brasil. A população preta se refere aos pretos e pardos. Pessoas com diabetes com 15 anos ou mais que foram entrevistadas na PNS 2019 foram elegíveis ao estudo. Asiáticos e indígenas foram excluídos devido à baixa frequência na amostra. A seleção da amostra ocorreu por conglomerados em 3 estágios com a estratificação das Unidades Populacionais de Amostragem. O desfecho primário foi ter o seu pé examinado por um profissional da saúde (sim, não). Variáveis independentes incluíram raça, região do brasil, faixa etária, gênero, escolaridade, renda, plano de saúde, inscrição no Programa de Saúde da Família (PSF), tabagismo, consumo de álcool, hipertensão, estado de saúde e anos com diabetes. Foi utilizada a regressão de Poisson ajustada com variância robusta para calcular as razões de prevalência (RP) e os intervalos de confiança de 95% (IC 95%) de nunca ter os pés examinados. O software Stata 14.2 foi utilizado para todas as análises.

Resultados e discussão
Foram incluídos 6.216 indivíduos com diabetes; 52,1% (IC 95%: 50,0-54,2%) relataram nunca terem tido seus pés examinados por um profissional de saúde, e essa frequência foi maior entre negros (55,3%; IC 95%: 52,5-58,1%) do que nos brancos (48,2%; IC 95%: 45,0 a 51,5%). Frequência maior de negligência entre negros foi observada em 22 estados. Na população geral, a negligência foi maior entre 15 e 39 anos, sem educação, consumo mais elevado de álcool, com estado de saúde regular e diagnóstico de diabetes até 10 anos. Entre os negros, a negligência foi maior entre 15 e 39 anos, tabagistas, com estado de saúde regular e diagnóstico de diabetes até 10 anos (p<0,05). A inserção no PSF foi um fator de proteção entre os negros (RP=0,88; IC95%: 0,80-0,98), resultado não observado entre os brancos (p=0,671). Tais achados reforçam a importância da atenção primária na continuidade do cuidado e no enfrentamento do racismo na assistência. As limitações do estudo incluem o viés de memória por contar com o autorrelato dos participantes; ser um estudo transversal, não havendo uma relação de causalidade entre as variáveis e o desfecho. Entretanto, o grande tamanho da amostra fortalece o estudo.

Conclusões/Considerações finais
Brasileiros com diabetes têm o exame dos pés frequentemente ignorado. Esse comportamento se mostra ainda pior entre pacientes negros em todo o país e na maioria dos estados. A participação no PSF favoreceu o cuidado de pé diabético em pessoas negras. Os achados reforçam a necessidade de maiores investimentos na atenção primária a saúde e na educação dos profissionais a fim de evitar vieses raciais no cuidado de pessoas com diabetes.