Comunicação Oral

02/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO33.4 - Comunidades tradicionais e contaminação ambiental II

47101 - A INSEGURANÇA ALIMENTAR EM TERRITÓRIOS PESQUEIROS AFETADOS PELO DERRAMAMENTO DE PETRÓLEO: "NÃO DÁ PARA COMER, DÁ PARA SOBREVIVER"
TIALA SANTANA SANTOS - UFBA, KÊNYA LIMA DE ARAÚJO - UFBA


Apresentação/Introdução
Comunidades tradicionais pesqueiras possuem uma relação singular com o mar e o mangue: vivem e sobrevivem da pluralidade de saberes, diversidade cultural e práticas ancestrais em defesa do território vivo que é o seu meio de subsistência. Esses povos convivem com injustiças socioambientais que se somam a histórica condição de vulnerabilidade, agravadas em 2019 devido ao derramamento de petróleo de origem desconhecida, nas águas litorâneas do Brasil, afetando os recursos naturais que constituem sua principal fonte de alimentação e renda. As águas e o mangue foram expostos a contaminação pelo óleo e os pescados oriundos desses ambientes passaram a ser socialmente desvalorizados dada sua associação com possíveis danos à saúde - o que causou declínio nas vendas, intensificando as dificuldades financeiras e, consequentemente, a insegurança alimentar dos pescadores e marisqueiras artesanais.


Objetivos
Compreender como o derramamento de petróleo no litoral brasileiro interferiu na segurança alimentar de pescadores e marisqueiras artesanais no litoral da Bahia.

Metodologia
Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa desenvolvida a partir de narrativas de trabalhadores da pesca artesanal do litoral baiano sobre os impactos do derramamento de petróleo na segurança alimentar desses sujeitos. Foram realizadas pelo grupo de pesquisadores do Projeto "Entre Mares" da Universidade Federal da Bahia (UFBA) no período entre julho e outubro de 2021 e fevereiro e outubro de 2022, 106 entrevistas individuais em profundidade com trabalhadores (as) da pesca que vivem no litoral da Bahia, em localidades afetadas pelo derramamento de petróleo ocorrido em 2019. A análise de narrativas se deu a partir de aproximações teórico-metodológicas com as ciências sociais em saúde, numa perspectiva fenomenológica, em busca da compreensão da experiência dos sujeitos entrevistados. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da UFBA (parecer nº 4.444.084).


Resultados e discussão
Este estudo revelou a fome como fenômeno crônico, histórico e político, produto das iniquidades sociais e territoriais que envolve fatores interseccionais (CASTRO, 1946; FREITAS, 2003; JESUS, 2021). Pescadores e marisqueiras artesanais lidam em seu cotidiano com o desamparo e invisibilidade perante o Estado, ferindo a garantia de direitos constitucionais na esfera da saúde e assistência social (PENA; MARTINS, 2013).
O petróleo avançou nas áreas litorâneas contaminando as águas e as espécies marinhas e alterando o modo de vida e trabalho de pescadores e marisqueiras artesanais do litoral baiano. Homens e mulheres impedidos de trabalhar, narram a angústia de viver com fome e se verem obrigados a consumir o pescado contaminado, e, ainda, conviver com a redução da variedade de peixes e mariscos diante da degradação ambiental. As vozes desses sujeitos denunciam a experiência da crise ambiental e medo da fome:

"Ninguém quis comprar os pescados. Foi muito difícil. A gente teve que consumir e muitos sentiram dor de barriga e enjoo quando comeu" (Marisqueira 1)

"O produto da gente diminuiu bastante. Quem pegava 50 kg na semana, hoje, se pegar 20 kg tem de agradecer bastante. Não existe mais fartura depois do óleo [...] Não passei fome porque minha família ajudou” (Pescador 1)

"Ficava com os freezers cheios de peixe. A família não ia passar fome porque tinha peixe. Agora, cadê a farinha e os outros produtos que a gente compra? Então, a gente sofreu muito com isso” (Marisqueira 2)

A comunidade pesqueira culturalmente possui como ambiência a co-presença (GADAMER, 2015) e frente ao desamparo do Estado, passaram a desenvolver ações coletivas com perspectivas emancipatórias à exemplo da implantação de uma quitanda solidária: "o pescador que não tinha como vender o pescado trocava na quitanda por gêneros alimentícios básicos para sustentar as suas famílias" (Pescador 2). Além disso, houve uma articulação com o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) que forneciam produtos da agricultura familiar em troca de pescados e vice-versa. A fome dos povos da pesca se abrandou pela solidariedade e avivamento dos sentidos da coletividade que tornaram possível a sobrevivência frente à ameaça à vida.


Conclusões/Considerações finais
A experiência de fome, aqui denominada insegurança alimentar, dos pescadores e marisqueiras foi intensificada pela exposição ao alimento contaminado pelo petróleo, somado à falta de renda pela inviabilidade de comercialização dos produtos do mar e invisibilidade ante o poder público. A contaminação química das águas e seu bioma manchou a identidade social e cultura local dos povos das águas. O medo da fome, as dúvidas, inseguranças e incertezas foram materializadas pelas repercussões no acesso, disponibilidade e quantidade dos peixes e mariscos - alimento do corpo e da alma de muitas gerações de pescadores e marisqueiras artesanais. Assim, as iniciativas comunitárias e solidárias foram importantes para o enfrentamento da crise.