Comunicação Oral

02/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO33.4 - Comunidades tradicionais e contaminação ambiental II

48159 - SOLUÇÕES INDIVIDUAIS PARA PROBLEMAS COLETIVOS: SOFRIMENTO PSÍQUICO NO TRABALHO E INDIVIDUALISMO NA JUSTIÇA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
GABRIEL QUINTELLA DE MATTOS - JFRJ


Apresentação/Introdução
Na seção de perícias administrativas na JFRJ o contato com casos de sofrimento ligado ao trabalho é diário. Servidores se apresentam às perícias de avaliação de capacidade laboral relatando cobranças excessivas e outras formas de pressão no trabalho.
Os relatos incluem queixas passíveis de diagnóstico de síndrome de ansiedade ou depressão. Independentemente da classificação, os casos que geram afastamento por doença relacionada ao trabalho demonstram intenso sofrimento psíquico.
Após o afastamento, há diferentes desfechos observados. O mais comum é a relotação. O servidor busca outro setor em que possa ser lotado. Isso requer anuência da chefia, que nem sempre está de acordo. Outros desfechos são o retorno ao mesmo local de trabalho e a aposentadoria.
Surge então uma diferença de natureza entre o problema, coletivo, e as soluções tomadas para lidar com ele, individuais. Apesar da complexidade do problema, as ações se dão apenas sobre a pessoa, ignorando fatores ligados ao trabalho.


Objetivos
Buscamos trazer elementos para compreender como as intervenções individualizantes afetam a vida do servidor afastado, do ponto de vista da saúde mental. Avaliamos casos de funcionários que ligam seu adoecimento à organização do trabalho. Por meio dos registros em prontuário, tivemos acesso aos desdobramentos de cada caso, tentando obter respostas à questão.
Delimitamos como nosso universo de pesquisa os servidores afastados por motivo de saúde em 2019, com diagnóstico de transtornos mentais com mais de duas semanas de afastamento. Destacamos os que traziam elementos mais importantes para o debate proposto, ou seja, a organização do trabalho contribuindo para o adoecimento psíquico e a individualização presente nas soluções colocadas.


Metodologia
No exame dos prontuários tivemos como referência o método regressivo-progressivo de Sarte. Partimos da análise do relato dos servidores (momento regressivo), sinalizando os elementos em que o gerencialismo produz sofrimento, e onde aparecem as características individualizantes do manejo.
Depois sintetizamos as particularidades dos fatos e experiências revelados pela análise regressiva, a partir do que mostraram em comum, vislumbrando pontes presentes nos relatos de sofrimento, nas práticas gerenciais e nas práticas individualizantes, em direção a uma apreensão do conjunto concreto, momento progressivo. A partir desse esforço sintético, extraímos noções, expressando de maneira mais flexível e heurística possível os achados ensejados pelo fenômeno concreto.


Resultados e discussão
A pressão por resultados e cumprimento de metas está presente em praticamente todos os relatos, a noção do potencial desgastante do sistema de metas. O foco no resultado e na eficiência se coloca em tensão com a organização burocrática na administração da Justiça Federal.
O avanço das tecnologias de comunicação permite um controle maior dos trabalhadores, conforme posto na noção da existência de canais de comunicação permanentemente abertos. O contato com o trabalho não respeita os espaços e tempos anteriormente delimitados, mas ocupa toda a vida do sujeito
Quando vem o adoecimento, o servidor, na noção de redução a um recurso útil ou inútil, é tratado como uma peça que não funciona mais, e deve ser descartada e reposta. Quebra-se a confiança com o trabalho, que se torna esvaziado de sentido.
Não houve reflexão coletiva sobre as questões do adoecimento. As respostas se dão no nível da pessoa. Individualmente ela resiste, adoecendo, se aposentando, ou mudando de local de trabalho.
Os casos em que houve retorno ao mesmo local mostram a eficácia da individualização como forma de levar a tratamento e produzir recuperação da capacidade laboral. Reforçam-se fatores pessoais de resistência.
Nos casos houve mudança de local de trabalho, esta se mostrou eficaz na recuperação da capacidade laboral, em casos em que não há desilusão e perda do sentido do trabalho. A relotação, no entanto, não garante que o novo setor será bem aceito pelo servidor, pois há lotações rotuladas como não desejáveis para se trabalhar, e, inversamente, o gestor pode considerar um servidor como não desejável para trabalhar lá.
Os casos de aposentadoria significam que servidores com potencial produtivo foram permanentemente afastados do exercício laboral quando isso não era o seu desejo, provocando mais frustração.


Conclusões/Considerações finais
A resposta individualizante é a maneira mais rápida de dirimir aquele sofrimento identificado com o ambiente de trabalho, e protege a instituição de discutir os pontos em que sua organização prejudica a saúde de seus funcionários. A estrutura da organização que provoca o sofrimento não é convocada a responder por ele.
Vemos uma cadeia de desumanização, onde o desempenho individual é a medida de cada ser humano, em um paradoxo de individualização das cobranças e uniformização dos resultados esperados. A vida singular com seus percursos, desejos e problemas, com sua capacidade de evidenciar as formas adoecedoras na organização do trabalho, fica de fora.