Comunicação Oral

02/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO33.3 - Comunidades tradicionais e contaminação ambiental I

46746 - RELAÇÃO ENTRE TRABALHO E EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO DE TRABALHADORES DO SUS POR ENTIDADES BENEFICENTES: SOB AS LENTES DO CAPITAL
JULIANA FONSECA DE OLIVEIRA MESQUITA - ESP-MG, CARLA MACEDO MARTINS - EPSJV/FIOCRUZ


Apresentação/Introdução
No cenário de formações variadas que hoje se apresentam no Brasil, observamos a participação privada financiada pelo Estado na formação de distintos trabalhadores. No âmbito da formação de trabalhadores do Sistema Único de Saúde (SUS), com o processo de privatização, observa-se aumento da participação de instituições privadas na disputa por recursos financeiros para realização de ações educacionais. Como resultado, trabalhadores do SUS são formados a partir da lógica neoliberal, confluindo para a reprodução da hegemonia capitalista que favorece a acumulação de capital, no lugar de propiciar uma formação que possibilite a transformação da realidade social.
Os Hospitais Beneficentes de Excelência com habilitação para participarem do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (PROADI-SUS) têm atuado, ativamente, na formação de trabalhadores do SUS, mediante recursos de isenção fiscal. Com base nisso, é fundamental analisar os processos formativos ofertados por essas instituições e as concepções de trabalho e de educação aí implicadas. Por isso, pergunta-se: como a relação trabalho-educação é expressa em materiais de cursos ofertados para trabalhadores do SUS por uma entidade vinculada ao PROADI-SUS?

Objetivos
Analisar como a relação trabalho-educação é expressa em materiais de cursos ofertados para trabalhadores do SUS por uma entidade beneficente participante PROADI-SUS.

Metodologia
Seguindo a perspectiva histórico-dialética, nesta pesquisa, selecionamos os Cadernos de Curso, produzidos entre 2015 e 2016, de sete cursos de Especialização e um de Mestrado Profissional, ofertados pelo Hospital Sírio Libanês com recursos do PROADI-SUS. A análise se deu a partir da análise discursiva (Orlandi, 2009), considerando a relação trabalho-educação.

Resultados e discussão
A análise dos materiais desta pesquisa revelou o uso de diferentes termos, palavras e expressões cujos sentidos apontam para um trabalho no SUS marcado pela lógica do capital, a partir da qual a saúde é compreendida como um bem de consumo e aos serviços de saúde, por meio dos trabalhadores, é exigida rentabilidade e produtividade. Como exemplo, observamos o uso de termos que remetem à teoria do capital humano, cuja compreensão é a de que os indivíduos são recursos para a acumulação de capital. Um dos termos utilizados foi qualidade total, a partir da qual se entende ser possível produzir mercadorias, bens e serviços por meio de bases técnico-científicas, com menor custo e com vantagens no mercado. A qualidade total pode ser operacionalizada por meio de palavras como efetividade, eficiência, padrões de qualidade, as quais, igualmente, apareceram nos materiais analisados.
Outro termo utilizado foi empregabilidade, que remete à ideia de que os trabalhadores devem ser proativos e apresentarem competências para se adaptarem aos diversos contextos de trabalho, o que lhes garantiria inserção ou manutenção no mercado. Compreendendo a proatividade como a capacidade de buscar antecipadamente soluções para problemas, o “aprender a aprender” se faz presente, já que, para ser proativo, pressupõe-se a capacidade de construir novas competências para antecipação de problemas, em um movimento solitário e individualizante, típico do capital humano, e adaptativo às demandas do mercado. Em última instância, consiste em ser gestor de sua própria capacidade cognitiva-intelectual com vistas a configurá-la como mercadoria.
Além disso, durante a análise dos Cadernos de Curso, não identificamos a referência à participação dos trabalhadores do SUS na definição e/ou na construção dos conteúdos e na elaboração das competências desejadas para os egressos, o que distancia a formação da realidade social. Também não encontramos os princípios constitucionais do SUS como referenciais dos cursos, somente citações vagas, sem explorar seus sentidos e seus significados. Paralelamente, outra questão observada referiu-se à ênfase no aprendizado técnico – conhecimentos que podem ser verificados e mensurados no processo formativo. Não parece ser fomentada a criticidade dos trabalhadores em relação aos seus processos de trabalho e se desconsidera uma construção coletiva dos trabalhadores em seus locais de trabalho.

Conclusões/Considerações finais
A análise dos materiais aqui destacados apontou que, nos Cadernos de Curso, utilizam-se de metodologias e concepções que são reapropriações de pressupostos da teoria do capital humano. Nesse sentido, mesmo sendo voltados para trabalhadores do SUS, os conteúdos trabalhados nos cursos atendem mais às demandas de mercado do que às necessidades de saúde da população, já que pouco discutem o contexto social do qual o SUS faz parte. Destaca-se, ainda, que, ao serem formados em cursos que não favorecem a reflexão crítica dos processos de trabalho e da realidade social, os trabalhadores se qualificam para atuarem em um serviço distante do SUS real, vivenciado no cotidiano de atuação, e não problematizam no coletivo de trabalhadores questões para melhoria de processos de trabalho.