Comunicação Oral

02/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO10.2 - Reflexões sobre os percursos de pesquisa em Análise Institucional

47444 - EM MEIO ÀS ASSEMBLEIAS DE CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL: UM ESTUDO SOBRE AS INTERVENÇÕES SOCIOANALÍTICAS EM TEMPOS DE RUPTURA DOS PACTOS DEMOCRÁTICOS
DANIEL VANNUCCI DÓBIES - UNICAMP, SOLANGE L‘ABBATE - UNICAMP


Apresentação/Introdução
O Sistema Único de Saúde é um campo social complexo, pois cuidado, gestão, educação, pesquisa e política estão em articulação, e é permanentemente atualizado pelos acontecimentos e pelas transformações sócio-históricas. Na sociedade neoliberal da atualidade, as políticas públicas sofrem desfinanciamento sistemático e o processo de trabalho se torna mais intensificado, precarizado e fragmentado, alimentando modos de vida mais individualistas e meritocráticos em detrimento das práticas coletivas e solidárias. No Brasil, além disso, a ascensão conservadora em diversos segmentos sociais e o recrudescimento das forças políticas de extrema direita nas ações governamentais, fragilizaram as bases de proteção social. Em meio a tudo isso, analistas e/ou pesquisadores que utilizam o referencial teórico-metodológico da análise institucional (AI) implementaram e/ou seguiram com suas intervenções nos serviços públicos de saúde. Intervenções que, como princípio, visam ampliar a participação dos sujeitos nas transformações institucionais, oferecendo recursos analíticos que favorecem a localização dos campos de ação política ao articularem os acontecimentos macro e micropolíticos.

Objetivos
Este estudo teve como objetivo inicial analisar as intervenções que utilizam o referencial da AI nos serviços públicos de saúde no Brasil, com ênfase na dimensão política dessas práticas e nas criações formuladas frentes às condições sociais adversas às políticas públicas e às articulações coletivas.

Metodologia
A pesquisa foi traçada em duas frentes: I) Pesquisa bibliográfica das intervenções realizadas em unidades, redes de serviço e/ou grupos de trabalho na área da saúde, publicadas entre 2014 e 2021; II) Intervenção com o referencial da AI em assembleias gerais de quatro Centros de Atenção Psicossocial (Caps) de Campinas/SP, num total de 55 participações entre outubro de 2021 e julho de 2022, permitindo um encontro com múltiplos atores do SUS (usuários, profissionais e gestão). Adotou-se o diário de pesquisa, na perspectiva de René Lourau, para registros e, sobretudo, análise das implicações. Realizou-se, assim, uma pesquisa-intervenção, na qual os participantes foram coprodutores do conhecimento, com o pesquisador estando “no meio”. Desta posição, ampliou-se as possibilidades para análise das condições de intervenção no período referido, fazendo parte do “grupo de intervenientes”. Para operacionalizar o modo de estar no “meio” durante a intervenção, experimentou-se três estratégias: 1) sustentar o inacabamento: a considerar as elaborações de Georges Lapassade e Valentim Schaeplynck, que reforçam a necessidade de manter-se aberto em um mundo em permanente transformação; 2) bancar o idiota: que, segundo Gilles Deleuze, é uma posição filosófica criadora de campos de indeterminação fundamentais ao pensamento; 3) agir em comum: que destaca o comum como “trabalho do comum”, segundo Nicolas-Le Strat, ou como a construção de “um mundo que caiba muitos mundos”, conforme os zapatistas. A pesquisa sofreu interrupções e desvios devido à: 1) emergência da pandemia de Covid 19, que suspendeu a intervenção; 2) tentativa do pesquisador enfrentar o seu esgotamento; 3) elaboração da perspectiva de agir no e pelo meio, que demandou a entrada do pesquisador no campo do estudo. Assim, avançou-se na análise do material da intervenção nos Caps, pois se configurou como mais interessantes para produzir as análises.

Resultados e discussão
Nas assembleias de Caps, entre a politização e o esvaziamento político, localizou-se as seguintes ações analisadoras: engrandecer demais a missão a cumprir; recorrer à infantilização por meio de pedagogismos e patologismos; enquadrar e encaixotar os debates e as ideias; ensurdecer, falar sem parar e disputar o espaço; baixar a potência das propostas pela falta de ressonância; informar sem ter informação; estabelecer compromisso vazio; esmiuçar inutilmente os passos de operacionalização de um trato; vigiar e punir; intrometer-se onde (não) é chamado; separar questões individuais e coletivas; controlar o controle social; tratar miseravelmente das misérias sociais; notar e encarar assuntos espinhosos. Tais ações, certamente, remetem ao vício do pesquisador em procurar a falta, os equívocos ou o grotesco, o que não é necessariamente ruim, pois ajuda a localizar as ações de esvaziamento político. Entretanto, se faz necessário um esforço para encontrar as potências, que criam maneiras de resistir aos rebaixamentos e de ativar as forças mais emancipatórias dos sujeitos, sobretudo em um momento sociopolítico de tamanha desvitalização das experiências do comum.

Conclusões/Considerações finais
O estudo, nos rastros de Anna Tsing, solta esporos com destino incerto, à procura de novas ideias e práticas políticas. Enuncia a necessidade de travar combate contra o convívio amistoso com a escassez, a ordem progressista e a insistência do binômio indivíduo-coletivo. E a relevância de buscar mais minuciosa e precisamente pelas intervenções institucionais que produzam análises com força de transformação emancipadora.