Comunicação Oral

02/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO12.2 - Epistemologias da Saúde desde o Sul: Pesquisa participativa e construção compartilhada de saberes

47301 - A PERSPECTIVA FEMINISTA DECOLONIAL DA COOPERAÇÃO ESTRUTURANTE: O CASO DA REDE GLOBAL DE BANCOS DE LEITE HUMANO
FLORA BARRETO SOUZA - UFRJ


Apresentação/Introdução
O presente estudo analisa o caso da maior cooperação internacional da Fundação Oswaldo Cruz que é a Rede Global de Bancos de Leite Humano(rGBLH). Essa cooperação acontece no âmbito da Cooperação Estruturante em Saúde, conceito que traz em sua essência a perspectiva decolonial, posto que, prioriza a construção colaborativa de uma estrutura que responda às questões do país demandante. Neste sentido, o país beneficiado pela cooperação se torna ator participativo na elaboração do plano estratégico de ações para implementação e fortalecimento de seu Sistema de Saúde.
Em 2019, foram registrados 32 projetos bilaterais e um multilateral de cooperação internacional brasileira em 20 países da América Latina, 2 da Península Ibérica e 1 da África. Os programas que envolvem a Rede Bancos de Leite Humano são voltados em especial para redução das condições adversas de saúde populações em situações de agravos, particularmente crianças prematuras e com baixo peso ao nascer. A iniciativa foi reconhecida pela OMS como uma das iniciativas que mais contribuíram para o desenvolvimento humano no Hemisfério Sul, através de práticas que podem ser reproduzidas ou adaptadas por outros países.


Objetivos
A pesquisa buscou explicitar como a Rede Global de Bancos de Leite Humano (rGBLH) pode ser considerada ferramenta emancipatória de perspectiva feminista decolonial, através de descentralização do trabalho reprodutivo da mulher e seu deslocamento do lócus doméstico para o público.

Metodologia
Estudo exploratório-descritivo de natureza qualitativa (Minayo, 2010) baseado em dados secundários disponibilizados em repositórios públicos de acesso aberto como Arca, Biblioteca Virtual de Saúde, no portal da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano e documentos oficiais em sites institucionais para análise do fenômeno investigado. A análise do conteúdo de acordo com Bardin (2016), foi realizada de forma objetiva e sistemática buscando responder à questão de como a Rede Global de Banco de Leite Humano (rGBLH) pode ser caracterizada com uma ferramenta de emancipação na perspectiva feminista decolonial da Cooperação Estruturante (Sul/Sul). O estudo se situa, do ponto de vista teórico, no campo da saúde coletiva, com destaque para as relações internacionais dentro das ciências humanas e sociais.

Resultados e discussão
O estudo evidenciou a rGBLH como um caso bem sucedido de Cooperação Estruturante, se considerarmos alguns balizadores, tais como abrangência das cooperações alcançadas; o respeito à soberania das partes envolvidas; impacto positivo e tangível sobre a saúde das pessoas; sustentabilidade; liderança e empoderamento; transformações sociais; estruturação de políticas públicas; redução na taxa de mortalidade neonatal.
Em relação a perspectiva feminista e a questão do aleitamento, contudo, poucos estudos foram identificados, o que aponta para a necessidade de mais estudo de aprofundamento da temática. As mulheres brasileiras de diversos estratos socioeconômicos integram, tanto o sistema 'reprodutivo' (com atividades de gestar, parir, alimentar e cuidar das crianças e da família) quanto o sistema produtivo, como população economicamente ativa.
A abordagem de gênero lança luz sobre a potencialidade do dispositivo em subverter a lógica de restrição do trabalho reprodutivo ao ambiente doméstico. A possibilidade de acessar um serviço de saúde que se propõe a descentralizar uma função que antes era exclusiva da mãe, torna o aleitamento uma responsabilidade coletiva e comunitária. Essa mudança de paradigma tem caráter emancipatório para mulheres que carregam o peso de exercer o trabalho reprodutivo e maternal sozinhas, muitas vezes carregando culpa e frustração na busca por atender as expectativas materiais impostas pela ordem capitalista. A despeito dessas dificuldades, o Brasil desponta, como uma esperança na cooperação Sul-Sul, já que dispõe de políticas públicas bem-sucedidas, particularmente na área da saúde, que podem oferecer alternativas eficazes a serem compartilhadas para a melhoria dos sistemas de saúde de países parceiros e para a saúde de suas populações.


Conclusões/Considerações finais
A cooperação estruturante não foca exatamente os direitos pessoais no campo da saúde, mas os direitos sociais de cobertura garantidos pelo estado com base nos direitos políticos dos cidadãos. A importância da interseccionalidade é evidente para a implementação de políticas públicas nacionais e internacionais. O processo de cooperação internacional estruturante, mais que oferecer assessorias diretas por especialistas estrangeiros ou trocas de “experiências”, implica no esforço de responsáveis locais, para que, com possível orientação externa, possam participar no processo de introdução das transformações necessárias para o aprimoramento pretendido. Cabe, então, propor uma reflexão sobre como o Estado brasileiro vem promovendo a disponibilidade e a abrangência de políticas públicas pró-aleitamento em diálogo com a perspectiva emancipatória do feminismo decolonial.