02/11/2023 - 13:10 - 14:40 CO15.6 - Pesquisas, políticas e práticas |
46602 - PESQUISA COM A POPULAÇÃO TRANS E TRAVESTIS: UM OLHAR SOBRE AS POTENCIAIS VIOLÊNCIAS NA INTERAÇÃO PESQUISADORES-PARTICIPANTES MÔNICA MACHADO CUNHA E MELLO - UFSC, RODRIGO OTÁVIO MORETTI PIRES - UFSC, MARCOS CLAUDIO SIGNORELLI - UFPR
Apresentação/Introdução A pesquisa em saúde com pessoas trans e travestis apresenta dificuldade de acesso a essa população, assim como qualquer outra população vulnerada. Essa população, porém, é alvo dos mais diversos tipos de violência no Brasil, já que este é o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo. No que se refere às pesquisas acadêmicas hegemônicas, a caracterização de determinadas populações como “objeto de pesquisa” as coloca numa posição objetificada, na qual o sujeito pesquisador se posiciona externamente ao fenômeno, produzindo assim cenários potencialmente violentos. A fenomenologia, enquanto campo de saber, contribui para a reflexão da cisão entre sujeito e objeto nas observações dos fenômenos, e contribui para a reflexão sobre outra forma, que não hegemônica, para apreensão dos fenômenos estudados. Destaca-se que não somente a fenomenologia propõe-se a questionar a cisão entre sujeito e objeto de pesquisa, porém, para esta pesquisa ela foi utilizada enquanto aporte teórico para a compreensão do fenômeno. O presente estudo apresenta a metodologia aplicada numa pesquisa de doutorado em andamento em uma Universidade Federal que tem como objetivo investigar a violência direcionada às pessoas trans.
Objetivos Analisar criticamente a interação entre pesquisador e participante da pesquisa e seu potencial caráter violento no que se refere a pesquisa com a população trans e travesti.
Metodologia Trata-se de uma pesquisa qualitativa exploratória que apresenta como base teórica a fenomenologia-hermenêutica crítica aplicada à saúde coletiva. Para identificação e convite dos/as participantes da pesquisa foi utilizada a rede social Instagram. O primeiro contato realizado foi feito a partir de Organizações Não-Governamentais (ONG) previamente selecionadas através de perfis do Instagram, obedecendo o critério de serem atuantes diretamente com pessoas trans e travestis. Foi solicitado indicações de possíveis participantes a essas ONG’s a partir da explanação do objetivo da pesquisa e devida identificação da pesquisadora. Foram realizadas oito entrevistas e dois grupos focais, ambas ferramentas utilizadas de forma online. Essa fase da pesquisa foi realizada durante a pandemia da Covid-19 na qual as possibilidades de encontros presenciais estavam restritas no Brasil, de modo geral. Esse trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.
Resultados e discussão O caráter potencialmente violento das pesquisas acadêmicas foi relatado em todas as fases da pesquisa, desde durante o convite à participação até pelos/as participantes dos grupos focais online e entrevistas online. Durante a fase de convite, ONG’s se posicionaram contra a indicação de pessoas para participação uma vez que narrativas trans e travestis são utilizadas a partir de recortes estigmatizantes desses corpos, seja a partir de contexto da violência ou por questões identitárias ou orientação sexual, não compreendendo-as em sua pluralidade. Durante o convite às pessoas, a pesquisadora se deparou com recorrentes negativas de pessoas trans ou travestis a participar da entrevistas ou grupos, pois muitas relataram experiências nomeadas por elas como traumatizantes ao serem entrevistadas. As pessoas que aceitaram participar da pesquisa relataram receio em sofrerem transfobia durante a entrevista, mas alegaram não se recusarem a estar nesses espaços por compreender a importância da realização de pesquisa com essa população em específico.
Conclusões/Considerações finais Compreendemos a complexidade de realizar pesquisas com populações vulneradas no que se refere ao risco de configurá-las enquanto objeto, e assim passíveis de sofrerem violências por parte dos pesquisadores. No que ser refere a população trans e travesti a vulnerabilidade dessas pessoas frente a pessoas cisgêneras requer dos pesquisadores, comumente pessoas cisgêneras, uma sensibilidade, além de apropriação de aportes teóricos que reflitam sobre a objetificação dos sujeitos de pesquisa, dada pela tradicional cisão entre sujeito (pesquisador) e objeto (participante) inerente às pesquisas acadêmicas modernas. Mesmo que o fenômeno observado seja a violência, no caso apresentado, e não propriamente os participantes da pesquisa, essas pessoas, ao serem vistas como portadoras de um saber sobre o fenômeno, estão ligadas diretamente ao objeto, e portanto, por isso podem ser objetificadas. Assim, no que se refere a pesquisa em saúde coletiva, seguindo o princípio da integralidade, faz-se fundamental reflexão na comunidade acadêmica sobre potenciais violências que podem ser realizadas durante as pesquisas em relação aos/às participantes da pesquisa em não serem reduzidos a meras narrativas ou objetos.
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