Comunicação Oral

02/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO16.5 - Populações LGBTQIA+ e cuidados em saúde

45014 - GESTÃO DE RISCO DO HIV ENTRE HOMENS JOVENS, AUTORECLARADOS GAYS OU BISSEXUAIS: UM ESTUDO QUALITATIVO NO RIO DE JANEIRO
MARCOS GLEISON ARAUJO SILVA - ENSP/FIOCRUZ, SIMONE MONTEIRO - IOC/FIOCRUZ


Apresentação/Introdução
A despeito dos avanços no enfrentamento da Aids, no campo biomédico, político e dos diretos das pessoas vivendo com HIV, ainda existem desafios para o controle da epidemia. No Brasil, um dos desafios refere-se ao aumento de infecções na faixa de 15 a 24 anos; ademais, de 2007 a 2022, 42,9% dos casos de HIV ocorreram entre homens por meio de relações gays ou bissexuais.

Objetivos
Diante do lugar da testagem na atual política nacional de enfrentamento da epidemia, este trabalho teve como objetivo analisar a gestão de risco ao HIV entre homens jovens que fazem sexo com homens e realizam o teste para detecção do HIV ao menos uma vez ao ano.

Metodologia
Trata-se de um estudo qualitativo. Em 2022, o primeiro autor realizou entrevistas individuais com 15 homens autodefinidos como gay ou bissexual, de 18 a 24 anos, contatados nas ações de teste do HIV, promovidas por uma organização não governamental, nos municípios do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense. Durante as entrevistas foram abordados: revelação da identidade homossexual, redes de sociabilidade, conhecimento e práticas de prevenção do HIV e impactos da Aids nas interações sexuais.

Resultados e discussão
A maioria dos entrevistados estava cursando o ensino superior e morava em casa própria. No contexto familiar, houve situações de acolhimento diante da revelação da homossexualidade, o que indica alguns avanços na luta pelos direitos da população LGBTQIA+. Todavia, os casos de não aceitação e hostilidade na vida cotidiana, associados à homofobia e a heteronormatividade, geram um sentimento de não-pertencimento e estimulam a busca por uma rede de sociabilidade gay e, por vezes, o não compartilhamento público da orientação sexual. Nesta direção, os aplicativos de interações sexuais, festas e boates mais voltados para o público gay são utilizados para encontros e diferentes tipos de relacionamentos. Predominam práticas sexuais diversas que ocorrem em variados tipos de relacionamentos, podendo envolver relações igualitárias, de dominação ou submissão entre os parceiros e mudar ao longo do tempo. Alguns participantes relataram relações estáveis não-monogâmicos, que incluíam acordos específicos de prevenção visando a saúde de ambos. Essa escolha é vista como uma liberdade para viver relacionamentos mais fluidos e quebrar padrões estabelecidos pela sociedade. Outros indicaram restrições à busca de liberdade nas relações amorosas e sexuais e optaram por relacionamentos monogâmicos e não casuais. Grande parte revelou ter um bom conhecimento sobre os locais de acesso ao diagnóstico do HIV e os meios de prevenção da AIDS, como preservativo e as novas tecnologias biomédicas (teste, PrEP e PEP). Mas, há poucos espaços de diálogo e aprendizagem na família e na trajetória escolar sobre o tema. A partir dos relatos, depreende-se que o processo de “saída do armário” pode causar sofrimento e impactar nos cuidados da saúde sexual, incluindo a exposição a situações de risco, como o não uso do preservativo. Quanto aos motivos para fazer o teste rápido do HIV foram citados: surgimento de sintomas de IST, acordos entre casais para iniciar relações sem o uso de preservativo, estímulo de profissionais de saúde ou campanhas. A realização regular do teste de HIV sugere uma prática de autovigilância sorológica. Mas, a sucessão de testes negativos parece não levar a percepção de invulnerabilidade em relação ao HIV; todos afirmaram que, se não tomarem medidas de prevenção, podem acabar contraindo o HIV.

Conclusões/Considerações finais
Com base nos relatos dos jovens, conclui-se que eles têm conhecimento e fazem uso de recursos preventivos variados na gestão dos riscos da infecção do HIV. No entanto, tais práticas são influenciadas e definidas em função de fatores contextuais como: conhecimento e acesso às tecnologias de prevenção, compartilhamento da identidade homossexual, redes de sociabilidade e tipos de práticas e acordos entre os parceiros nos relacionamentos afetivos e sexuais. Esses aspectos, na maioria das vezes, não são considerados nas ações de prevenção do HIV. Existem limites no estudo, decorrentes do predomínio de jovens com ensino superior e deles terem sido abordados no contexto de uma ação pública de testagem do HIV. Todavia, os resultados podem fornecer subsídios para definição de políticas de saúde ao apontarem para: 1) diversos fatores envolvidos nas decisões e práticas de prevenção do HIV; 2) a necessidade de criar espaços de diálogo e aprendizagem sobre os recursos preventivos e de cuidado disponíveis, incluindo campanhas educativas regulares, divulgação e oferta de variadas tecnologias de prevenção capazes de alcançar todos os segmentos sociais; 3) a relevância do enfrentamento do estigma da AIDS e da homossexualidade e das condições de vulnerabilidade ao HIV. Tais recomendações convergem com as análises críticas sobre o predomínio da biomedicalização das respostas à Aids no cenário nacional.