Comunicação Oral

02/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO16.5 - Populações LGBTQIA+ e cuidados em saúde

46349 - TRAJETÓRIAS JUVENIS DE MULHERES TRANS E TRAVESTIS: VULNERABILIDADES, DIREITOS E PREVENÇÃO AO HIV
JÚLIA CLARA DE PONTES - FACULDADE DE MEDICINA, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, USP, DULCE FERRAZ - ESCOLA DE GOVERNO EM SAÚDE, FIOCRUZ BRASÍLIA, FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, ELIANA MIURA ZUCCHI - UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SANTOS, UNISANTOS, PAOLA ALVES SOUZA - INSTITUTO DE PSICOLOGIA, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, USP, RAMIRO FERNANDEZ USAIN - FACULDADE DE MEDICINA, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, USP, MARCIA THEREZA COUTO - FACULDADE DE MEDICINA, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, USP


Apresentação/Introdução
Na última década, importantes avanços tecnológicos ocorreram no campo da prevenção do HIV no Brasil, como a implantação da profilaxia pré-exposição (PrEP), disponível no Sistema Único de Saúde. Apesar disso, a epidemia continua a crescer entre jovens e as taxas de prevalência permanecem alarmantemente altas entre mulheres trans e travestis (MTTr) no país, indicando que esses grupos não têm se beneficiado suficientemente desses avanços. Neste cenário, é importante buscar compreender de que maneiras determinantes estruturais da epidemia podem estar contribuindo para a persistência da vulnerabilidade ao HIV de jovens MTTr. Reconhecendo a transfobia e o adultocentrismo entre esses determinantes, neste estudo buscamos compreender como a violação ou proteção de direitos na juventude produzem condições de maior ou menor vulnerabilidade de jovens MTTr ao HIV.

Objetivos
Reconhecendo a transfobia e o adultocentrismo entre esses determinantes, neste estudo buscamos compreender como a violação ou proteção de direitos na juventude produzem condições de maior ou menor vulnerabilidade de jovens MTTr ao HIV.

Metodologia
Nossa análise articula as abordagens teóricas das trajetórias juvenis com o quadro teórico da vulnerabilidade e dos direitos humanos e com sensibilidade interseccional. Partindo de entrevistas em profundidade realizadas com 13 jovens MTTr no âmbito de um estudo demonstrativo de PrEP (PrEP 1519), realizamos uma análise temática que buscou compreender o desenrolar das suas trajetórias juvenis a partir de diferentes dimensões, como as relações familiares, de amizade e afetivo-sexuais, estudos, trabalho e saúde. Buscamos identificar em cada uma delas como seus direitos foram violados ou protegidos e quais foram as consequências disso, especialmente no que concerne à vulnerabilidade ao HIV. As participantes tinham entre 15 e 20 anos, residiam na cidade de São Paulo e formavam um grupo heterogêneo em termos de cor/etnia e orientação sexual.

Resultados e discussão
Observou-se que a transição de gênero afetou todas as dimensões das trajetórias das jovens MTTr, impactando principalmente suas relações familiares, escolares e de trabalho. Para parte das entrevistadas, conflitos ligados à identidade de gênero levaram à saída da residência familiar, o que gerou condições instáveis de moradia, dificultou a continuidade dos estudos, especialmente entre as mais jovens, e conduziu à necessidade de busca de renda, principalmente por meio de trabalhos esporádicos e pouco qualificados, além de expor as jovens à exploração sexual. A ajuda de amigas, parceiros afetivos e casas de acolhida LGBTQIA+ foram fundamentais para a subsistência nessas condições. Como contraste, o acolhimento e suporte no âmbito da família e da escola durante a transição, favoreceram a conclusão da educação básica, a possibilidade do ensino superior e o ingresso no mundo do trabalho em melhores condições. Experiências de transfobia em serviços de saúde públicos e privados foram relatadas, mas os serviços especializados em HIV foram reportados como mais respeitosos e resolutivos. No que tange à prevenção do HIV, a importância do preservativo foi reiterada pelas entrevistadas, mas dificuldades de uso foram apontadas, especialmente quando sob efeito de substâncias ou diante de chantagens de clientes que oferecem maior pagamento para sexo desprotegido, e foi precisamente nessas situações que a PrEP foi valorizada. As dificuldades do uso da profilaxia se referiram à preocupação com excesso de medicamentos e possível interação com hormônios usados para a transição, distância dos serviços onde o método está disponível e esquecimento da tomada diária. Esses resultados mostram como a transfobia produziu situações que limitaram o usufruto de direitos fundamentais por parte das jovens MTTr, como o convívio familiar e a escolaridade, criando uma sinergia de condições que favorecem a maior vulnerabilidade ao HIV, inclusive a exploração sexual das jovens. A PrEP mostra-se um método importante para a proteção deste grupo.

Conclusões/Considerações finais
É fundamental expandir os serviços de PrEP, de modo a torná-los mais acessíveis para jovens MTTr e adequando-os às demandas específicas deste grupo. Além disso, os programas de aids precisam atuar de maneira integrada com outros setores no enfrentamento da transfobia, visando promover e proteger a integralidade dos direitos das jovens trans.