Comunicação Oral

02/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO17.2 - Territórios, identidades e sofrimentos - narratividade e cuidados em saúde mental de crianças e adolescentes

47520 - OS DESENHOS E A IDENTIDADE RURAL DE CRIANÇAS NO MBITO DO PROJETO ECLIPSE
CAMILA DOS SANTOS SOUZA ANDRADE - ISC/UFBA, TAINÁ AZEVEDO DE ALMEIDA - ISC/UFBA, FELIPE SANTOS MEIRELES - ISC/UFBA, SAULO SILVA MOREIRA - ISC/UFBA


Apresentação/Introdução
As infâncias rurais e o pertencimento à terra apresentam-se por meio de conexões feitas a partir de vivências cotidianas: a fruta arrancada do pé, o aprendizado com os pais no meio da plantação, o cair da chuva e tantas outras manifestações sensíveis presentes nesta realidade. Fala-se de Cultura, a partir da perspectiva de Stuart Hall, como uma forma de construção de sentidos que organiza e aponta as ações em relação ao meio que se vive. Tais valores culturais apreendidos somam-se a Identidade, ou seja, a elaboração daquilo que o sujeito é com seus costumes e características. Essa compreensão conceitual de uma natureza reflexiva foi possível ao se propor uma pesquisa com crianças, contextualizando suas experiências de vida e potencializando a sua participação enquanto sujeitos ativos no processo de investigação. Fez-se necessário considerar uma estratégia que permitisse a escuta da criança, levando em conta as peculiaridades da linguagem e que permitisse apreender o ponto de vista infantil sobre questões, situações e fenômenos que afetam fortemente seu universo. E os desenhos revelaram-se especialmente oportunos por serem considerados uma produção cultural das crianças e um instrumento revelador das representações infantis com a possibilidade de reconstruir seu espaço de convivência e familiaridade.



Objetivos
Analisar as produções culturais infantis, através de desenhos no intuito de apreender as manifestações das identidades rurais e o modo das crianças contarem sua história.


Metodologia
O presente estudo é uma pesquisa qualitativa de base participativa, a qual compõe o Projeto ECLIPSE. Esse é um projeto multicêntrico que tem como propósito a promoção da saúde de pessoas acometidas pela Leishmaniose Cutânea em regiões endêmicas do baixo-sul da Bahia, na perspectiva do empoderamento comunitário. As atividades foram desenvolvidas na comunidade de São Paulinho, co-participante do projeto ECLIPSE, localizada na zona rural do município de Teolândia - BA, no período de julho de 2022 a fevereiro de 2023.
Os encontros com as crianças aconteceram no formato de Oficinas a partir da temática “Pertencimento e identidades rurais”, compreendendo dois momentos: o primeiro, uma Roda de Conversa com contação de histórias como um disparador lúdico e o segundo, a realização de desenhos do território São Paulinho e foi pedido para que os descrevessem para o grupo de forma oral no final de sua produção. Foi disponibilizada uma variedade de materiais – canetinhas hidrocor, lápis de cor, giz de cera, borracha, lápis e papel ofício e foi explicado que poderiam utilizar o que quisessem. O desenho é compreendido como atividade de criação e expressão e nesse sentido, quatro aspectos devem ser considerados: “o autor (a criança que o desenha), o próprio desenho em si, a fala do autor que o produz e o contexto em que ele é produzido” (MARTINS FILHO; BARBOSA, 2010).


Resultados e discussão
No início do trabalho de campo, todas as crianças afirmaram gostar de desenhar, o que facilitou o envolvimento e o diálogo entre todos. O grupo de crianças (7) que participaram da atividade, tinham em média 8 anos de idade, desenvolvendo habilidades para leitura e escrita mais fluentes. Frequentavam a escola cotidianamente e tinham vínculos de amizades bem estabelecidos. A identidade rural das crianças de São Paulinho, foram expressas em desenhos de árvores e frutas nativas da região, animais domésticos e do trabalho no campo, brincadeiras próprias, o sol, a lua, as estrelas, suas casas e as próprias crianças. Todos muito coloridos e vívidos condizentes com a beleza rural. Ao narrarem sobre os seus desenhos expressam afeto sobre o território, reafirmando sua identidade com o lugar ao declarar: “Alegria só tem no São Paulinho” e “tem união no São Paulinho”. Outra expressão que traduz muito a relação do valor com a terra, a vivência do roçado, da partilha da experiência com os familiares diz: “No São Paulinho não se compra as coisas, mas se colhe”. A atividade do desenho é pensamento, elaboração afetiva e cognitiva, sobre as leituras que a criança faz do mundo, o que possibilitou um diálogo rico, escuta sensível e direto com as crianças, a partir de uma linguagem própria dos seus mundos e sem a necessidade de mediação de um adulto para falarem sobre si mesmas.

Conclusões/Considerações finais
O uso do desenho como um dos instrumentos de investigação apresenta relevantes formas de expressões infantis mostrando que, a partir dessas produções, é possível entrar em contato com a visão de mundo desses indivíduos, atravessada por outras formas de viver a infância, trazendo inúmeros aspectos da sua vivência com as pessoas ao redor, os animais e a terra. Ao mesmo tempo traduz-se como um exercício de escuta sensível, de superação de uma cultura adultocêntrica, que julga por vezes pouca ou nenhuma cientificidade na infância.