Comunicação Oral

02/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO20.2 - Saúde reprodutiva e atenção ao parto: iniquidades e violências

46225 - A FALÁCIA DO ARGUMENTO DA ESCOLHA NA LEI DA CESÁREA
MARIANA DE GEA GERVASIO - FSP/USP, ANGELA MARIA BELLONI CUENCA - FSP/USP, JACQUELINE ISAAC MACHADO BRIGAGÃO - EACH/USP, CLAUDIA MALINVERNI - IS/SP


Apresentação/Introdução
O movimento pelos direitos sexuais e reprodutivos há décadas luta pela autonomia das mulheres. Seus princípios norteadores são baseados em pressupostos que articulam o debate interseccional e os direitos. No caso da reprodução, especificamente parto e nascimento, nos últimos 40 anos as políticas buscam garantir um atendimento que seja baseado em evidências científicas, humanização e respeito. Contudo, assentada na falácia da liberdade de escolha numa perspectiva neoliberal, uma lei paulista, conhecida como Lei da Cesárea, subverteu a lógica da autonomia ao tomar o parto e o nascimento como produtos de mercado, colocando em xeque os avanços das políticas.

Objetivos
Apresentar o debate sobre o argumento da liberdade de escolha na cobertura jornalística sobre a Lei da Cesárea.

Metodologia
Pesquisa qualitativa, de perspectiva construcionista, que focalizou matérias publicadas no jornal Folha de S. Paulo e de documentos públicos sobre a Lei da Cesárea. Foram
analisados 14 textos publicados no jornal, entre 2019 a 2020. Foi utilizada a análise discursiva. Este trabalho é parte dos resultados de uma pesquisa de doutorado.

Resultados e discussão
O argumento da escolha foi empregado de maneira simplista pelo jornal. Nas reportagens o discurso da escolha pela cesárea como forma das mulheres assistidas no SUS exercerem sua “autonomia” esteve atrelado às práticas cesaristas do sistema privado de saúde. A Lei da Cesárea, sob a retórica da escolha, reduz a assistência ao parto e nascimento à via de parto sob uma lógica neoliberal, ignorando toda a complexidade do tema, tratando a relação serviços/profissionais de saúde e usuárias na logica do consumo, sem considerar a dimensão da relação de poder entre médico-paciente. Apenas em um dos textos analisados é debatido de forma contundente a retórica da escolha da cesárea, observando que a lei transforma a via de parto num produto a ser escolhido como em um “cardápio”. Na obstetrícia, estudos apontam que as conversas sobre as decisões compartilhadas devem começar durante o pré-natal e continuar ao longo do trabalho de parto e nascimento. Decisões compartilhadas estão pautada no princípio da integralidade e são possíveis a partir de um diálogo horizontal, facilitado pelo profissional de saúde, sempre ancorado no conhecimento científico. O argumento de que a escolha do tipo de parto deve ser feita pela mulher e seus familiares durante o trabalho de parto, como sinônimo de autonomia é falacioso porque esses não têm todas as informações necessárias para fazer essa escolha sozinhos. Nesse sentido, a filósofa Annemarie Mol argumenta que a lógica que orienta as decisões e ações em saúde deve ser a lógica do cuidado e não a lógica da mercadoria.

Conclusões/Considerações finais
O argumento da escolha foi proposto pela deputada que elaborou e Projeto de Lei e ressoou amplamente nos textos publicados e, demonstrou que o jornal abordou o tema de maneira simplista. Do modo como foi utilizada a retórica da escolha estava sustentada na perspectiva neoliberal e individualizante e desconsiderou questões amplas e diretrizes fundamentadas em evidências científicas acerca do cuidado em saúde e os direitos sexuais e reprodutivos.