Comunicação Oral

02/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO20.2 - Saúde reprodutiva e atenção ao parto: iniquidades e violências

46962 - REAGREGANDO O PARTO E NASCIMENTO
BRUNA EVANGELISTA ROSA - UFVJM, LUCIANA RESENDE ALLAIN - UFVJM


Apresentação/Introdução
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) do Brasil considera que o parto saudável é aquele que acontece de modo natural e em ambiente humanizado, e enfatiza que as práticas de atenção ao parto e ao nascimento devem estar baseadas em evidências científicas e na garantia de direitos. Pois o parto é um evento fisiológico, que não necessita de controle, mas sim de cuidado, sendo a diversidade cultural de cada mulher, algo a ser respeitado. No entanto dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) revelam altas taxas de cesariana e mortalidade materna, indicadores que seguem no sentido contrário à promoção de um parto saudável. Políticas públicas como o HumanizaSUS, Rede Cegonha e Atenção Integral a Saúde da Mulher são alguma das estratégias a nível federal que vem sendo traçadas para mudança deste cenário, mas ainda insuficientes à mudança da realidade de assistência disponibilizada ao parto e nascimento no Brasil. Através do marco teórico Teoria Ator-Rede, traçamos uma historiografia do parto e nascimento no Brasil, do início do século XIX ao começo do século XXI, que nos permitiu, através de um diagrama, levantar actantes, translações e provas de forças que contribuíram e vem contribuindo para desfechos do parto e nascimento não favoráveis à saúde integral das mulheres. Em diálogo com a perspectiva Cosmopolítica de Isabelle Stengers dialogamos o diagrama com a impossibilidade atual de uma assistência ao Cosmos, de uma assistência que legitima a multiplicidade das culturas e naturezas para fabricação de mundos. Pensar com Stengers e com Bruno Latour nos possibilita traçar outras estratégias para redução da mortalidade materna e altas taxas de cesariana através da uma reparação e (re)construção das diferenças.

Objetivos
- Mapear as principais controvérsias que se deram em torno do evento do nascer no Brasil, do começo do século XIX ao início do século XXI;
- Identificar historicamente as redes em torno do evento do nascer;
- Dialogar as principais controvérsias levantadas com a Perspectiva Cosmopolítica de Isabelle Stengers.


Metodologia
Através da Cartografia das Controvérsias, uma versão didática da Teoria Ator-Rede(TAR), foi traçada uma historiografia do parto e nascimento que nos possibilitou mapear as principais controvérsias do evento no nascer do Brasil entre os séculos XIX e XXI. A TAR compõe uma sociologia das associações, que realoca os conceitos tradicionais de cultura e natureza, trazendo uma outra percepção do social e dos saberes, o que nos possibilita dialogar sobre as epistemologias, mas também sobre as próprias ciências da saúde. A Cartografia das Controvérsia se dá através de cinco lentes de observação: dos argumento à literatura (1) aos atores (2) às redes (3) aos cosmos (4) à cosmopolítica (5).

Resultados e discussão
Foram mapeadas duas principais redes do evento do nascer no Brasil ao longo dos séculos XIX, XX e XXI, rede dos médicos e rede das parteiras. A rede dos médicos está conectada aos saberes biomédicos, a instituição hospitalar, as políticas eugenistas e a Modernidade. A rede das parteiras está conectada aos movimentos feministas, ao protagonismo das parturientes e a percepção do parto e nascimento como biopsicossocial. A realidade atual e as controvérsias revelam ser a rede dos médicos a mais conectada e fortalecida, em comparação a rede das parteiras. Tal resultado se dá pelas disputas de interesse ao longo dos séculos, sendo o aliado determinante da força da rede dos médicos, a Modernidade.

Conclusões/Considerações finais
O parto, apesar de milenar, passou somente por duas viradas epistêmicas, de um evento fisiológico regido pelas leis da natureza, no qual as mulheres estavam predestinadas, a um evento patológico no qual as mulheres são incapazes de lhe dar sem uma assistência moderna. De autopartos, a rede das parteiras e depois a rede dos médicos, desde a Revolução Industrial o nascimento vem sendo interpretado como um processo mecânico, o que não só roteirizou o parto, mas também restringiu a humanidade a uma só natureza, a um só parto natural. O próprio conceito de natural e até mesmo de parto saudável vem sendo translacionado ao longo do tempo, mas a grande questão não é sobre suas translações, mas sobre a hegemonia de um conceito. Mesmo com o surgimento de casas de parto, conceituação e promoção do parto humanizado, da exposição dos riscos de uma cesariana sem indicação, seguimos, desde 2010, com mais de 98% dos partos realizados em ambiente hospitalar. Como fazer caber dentro de um único ambiente a diversidade de naturezas do parto que temos em nossa humanidade? Pensando com Isabelle Stengers e sua Proposição Cosmopolítica, questionamos se as taxas de mortalidade maternas não estariam ligadas a impossibilidade de diversidade de partos, de diversidade de assistência, ou se como, caberiam dentro de uma única possibilidade de mundo, moderna, o nascimento de outros mundos.