47559 - INIQUIDADES RACIAIS NA ATENÇÃO AO PARTO: UMA ETNOGRAFIA SOBRE AS TRAJETÓRIAS REPRODUTIVAS DE MULHERES NEGRAS E BRANCAS EM SALVADOR, BAHIA GIOVANNA DE CARLI LOPES - UFBA
Apresentação/Introdução Atualmente, existe no Brasil, no campo da saúde reprodutiva, um cenário de iniquidades raciais que atravessa o trajeto da assistência obstétrica, reverberando em indicadores de acesso, serviços, qualidade do atendimento, boas práticas, morbidade e mortalidade materna. Essa desigualdade racial, verificada no contexto de cuidados reprodutivos, tem sido denominada de racismo obstétrico. Segundo a professora Dána-Ain Davis o racismo obstétrico se insere na intersecção entre a violência obstétrica e o racismo na saúde. A violência obstétrica é uma forma de violência baseada em gênero experimentada por gestantes, parturientes e puérperas que são submetidas a qualquer ato que implique em negligência na assistência, discriminação ou violência verbal, física, psicológica ou sexual. Já o racismo na saúde ocorre quando a raça do paciente modula – mesmo que inconscientemente – as decisões relativas ao diagnóstico e tratamento, bem como as condutas e percepções dos profissionais de saúde, colocando o paciente em risco ou desvantagem. Embora a violência obstétrica seja uma ferramenta analítica importante para a compreensão dos abusos experienciados durante a trajetória reprodutiva, ela não considera de maneira adequada a influência do racismo nas interações entre profissionais de saúde e mulheres negras.
Objetivos Analisar os caminhos percorridos por mulheres negras e brancas na busca por cuidados de saúde durante a gestação, parto e pós-parto.
Metodologia Trata-se de uma pesquisa qualitativa de cunho antropológico e fundamenta-se na etnografia enquanto pressuposto epistemológico. O campo de pesquisa, que durou nove meses, partiu do ambulatório de pré-natal de uma maternidade pública da cidade de Salvador e percorreu todo o trajeto que as mulheres fizeram na busca por cuidados obstétricos dentro e fora dos serviços de saúde. A produção dos dados desta etnografia se deu a partir da utilização de quatro técnicas de pesquisa: 1) observação participante, 2) diário de campo, 3) entrevistas em profundidade com as mulheres e profissionais de saúde e 4) extração de dados de prontuário.
Resultados e discussão Conforme Shellee Colen, trajetórias reprodutivas estratificadas são forjadas a partir das desigualdades de raça, gênero, classe, status e cultura, produzindo desfechos diferenciados. No Brasil, o racismo exerce importante papel como articulador de desfechos reprodutivos negativos. Mulheres negras sofrem mais violência obstétrica, iniciam o pré-natal mais tardiamente, com menos consultas, peregrinam mais no momento do parto e são mais vulnerabilizadas pelo aborto de risco do que as mulheres brancas. Além disso, dados atuais revelam que mulheres negras representam 65% dos óbitos maternos no país. Um dos resultados da minha tese diz respeito às imagens de controle – imputadas às mulheres negras – que compõem o arcabouço subjetivo dos profissionais de saúde, modulando suas condutas e práticas que acabam por produzir cuidados racialmente diferenciados. Os estereótipos de mulher negra forte, resistente à dor e que não reclama, são algumas dessas imagens de controle. Além disso, apesar das interlocutoras negras reconhecerem que o serviço em que estão é superior aos demais do sistema público de saúde brasileiro, elas sentem falta de uma assistência acolhedora e percebem negligências no atendimento, algumas ainda relatando perceber violências. Desse modo, os dados já analisados até então indicam que o racismo obstétrico é forjado nas minúcias da interação com os profissionais de saúde e com o serviço, principalmente através de negligências, falta de informação, benefícios negados e pior atendimento em geral.
Conclusões/Considerações finais Ao deslocar o foco da esfera dos indicadores para a esfera das experiências, é possível compreender melhor como o racismo obstétrico pavimenta o cenário reprodutivo no Brasil, se configurando como um grande entrave para a justiça reprodutiva, além de ser um fator determinante para o genocídio de mulheres negras, que vem ocorrendo no país no âmbito da atenção ao parto e ao aborto, sendo necessária a ampliação do debate e a criação de mecanismos que protejam mulheres negras de experiências e desfechos negativos no contexto obstétrico.
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