46744 - VIOLÊNCIA COMO FIO CONDUTOR NA SAÚDE MATERNA: CONTROLE DE EMOÇÕES E RELAÇÕES ASSIMÉTRICAS ENTRE PROFISSIONAIS E USUÁRIAS RAISSA RABELO MARQUES - UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO, RUTH HELENA DE SOUZA BRITTO FERREIRA CARVALHO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO, JOYCE VECELI BARROS SOBREIRA - UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO, ERIKA BÁRBARA ABREU FONSECA THOMAZ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO, ZENI CARVALHO LAMY - UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
Apresentação/Introdução Comentários agressivos, xingamentos, ameaças, discriminação racial e socioeconômica, exames de toque abusivos, agressão física e psicológica são relatadas por mulheres que deram à luz em várias cidades do Brasil (AGUIAR; D’OLIVEIRA, 2011; ANDRADE et al., 2016; DINIZ et al., 2015; GUILLÉN, 2015; RODRIGUES et al., 2017; SENA; TESSER, 2017). Trato desrespeitoso de profissionais, uso abusivo de medicalização e patologização do parto são expressões de violência contra a mulher, nos mais diversos serviços de saúde (LEITE et al., 2022; TOBASÍA-HEGE et al., 2019). Caracterizadas como violência de natureza institucional, tais práticas se sobrepõem a contextos de pobreza, cristalizando altas taxas de morbidade e mortalidade materna e infantil, especialmente, no Norte e Nordeste do país (AZEREDO; SCHRAIBER, 2017; DINIZ et al., 2016).
Objetivos A partir do relato de profissionais de saúde da Atenção Primária à Saúde (APS) e de usuárias acerca do cotidiano vivenciado no período de gestação, parto e puerpério, buscou-se acessar a representação de tais sujeitos sobre a assistência à saúde materna e problematizar as tensões presentes no debate mais amplo sobre violência, saúde e direitos.
Metodologia Trata-se de estudo qualitativo, exploratório e analítico, integrante do projeto intitulado “Envolvendo Usuários para Melhoria da Qualidade dos Serviços e Garantia de Direitos: fortalecendo o sistema de cuidados de saúde materno-infantil nos primeiros 1000 dias no Brasil (EU QUERO)”. A pesquisa de campo foi realizada em nove Unidades de Atenção Primária à Saúde (UAPS) situadas em duas cidades, capital e interior, de um estado do Nordeste brasileiro. Entre janeiro e maio de 2019 foram realizados 20 grupos focais com profissionais de saúde e mulheres gestantes e/ou mães de crianças de até 2 anos. A interpretação dos dados buscou compreender em perspectiva dialógica o ponto de vista de usuárias e profissionais.
Resultados e discussão As mulheres do interior relataram mais entraves quanto ao acesso aos serviços de saúde quando comparado às da capital, sobretudo, no que tange à distância geográfica e ao número de profissionais nas UAPS. O momento do parto nas maternidades foi descrito como um evento marcado pela violência, situação também reconhecida pelos profissionais. Para transitar nesses cenários e assegurar seus direitos, as usuárias relataram recorrer tanto ao silenciamento, expresso por um controle de suas emoções, quanto a gritos e ameaças. Nos GF com profissionais foi possível observar uma atitude de responsabilização das usuárias, descritas como desinteressadas no cumprimento da agenda de consultas, principalmente, do pré-natal e puericultura e demais cuidados maternos. A hierarquia entre os profissionais de nível superior e médio se fez presente no cenário da pesquisa, apontando a diferença de posição relativa dos atores sociais. Os conflitos simbólicos reproduzidos no contexto pesquisado expressam os instrumentos de legitimação de dominação de uma classe sobre outra, denominada violência simbólica, assim como a interseccionalidade das questões de classe, gênero e raça. Os relatos põem em evidência uma dinâmica de funcionamento dos serviços que revelam relações desiguais e assimétricas de poder, impactando na qualidade da assistência ofertada e em um modo de responsabilização das usuárias pelos profissionais de saúde no que tange aos desfechos negativos. Expectativas não atendidas, demandas negligenciadas, assim como práticas violentas geraram reações como resposta. Ameaças, denúncias e percalços nos serviços durante a gestação, o parto e puerpério deflagram que a violência é utilizada como recurso para fazer valer o que as usuárias entendiam por direitos, sendo, portanto, um fio condutor na assistência à saúde materna. A interação com profissionais de saúde é marcada por uma violência naturalizada e acentuada por um contexto de dificuldades expresso por carências que dificultam o acesso à saúde: de transporte, de falta de vacinas, medicações, ultrassons e hotelaria inadequada nas maternidades. Intensificando os entraves no acesso aos serviços de saúde, quando comparado às vivências na capital.
Conclusões/Considerações finais Os casos concretos ajudam a problematizar a complexidade das relações sociais entre sujeitos coletivos e também os desafios da democratização de saberes e práticas de saúde. Não se trata apenas de pensar o compromisso com as noções de saúde, direito e a promoção de equidade em termos programáticos, mas de encarar os modos como culturalmente a diversidade (classe, gênero, raça/etnia, dentre outras) é legitimada como desigualdade social no país, configurando uma linguagem mediada pela violência.
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