Comunicação Oral

02/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO20.3 - (In)justiças reprodutivas: maternidades marginalizadas e violadas

47081 - AS MARGENS DO CUIDADO: QUEM PODE SER MÃE?
TAMARA VICARONI DA SILVA - UERJ


Contextualização
Este relato de experiência refere-se à realização de uma Oficina de Violência de Gênero, a qual fui convidada a coordenar. A Oficina fazia parte da programação do Congresso Médico Acadêmico UniFoa 2023 - A transversalidade da ginecologia obstetrícia no cotidiano do médico generalista. Os participantes eram estritamente estudantes de medicina. Devido à minha inserção no mestrado em saúde coletiva optei por abordar violência de gênero à luz do conceito de governança reprodutiva. O termo Governança Reprodutiva é consagrado em 2012 por duas antropólogas: Lynn Morgan e Elizabeth Roberts. Esse termo parte da compreensão de que além de um fenômeno biológico a reprodução humana está enlaçada com interesses coletivos e forças políticas que desenrolam-se no tecido social. E visa esmiuçar os mecanismos pelos quais diferentes atores históricos se utilizam de controles legislativos, econômicos, culturais, morais e éticos para monitorar e controlar comportamentos reprodutivos e práticas populacionais.

Descrição
Para discorrer sobre este tema, utilizou-se o jogo “A História de Lurdes”. Esse jogo foi pensado e desenvolvido por integrantes da Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama (FD USP), a partir de uma parceria com o Núcleo Direito, Discriminação e Diversidade (FD USP). O jogo inicia-se com uma carta contextualização, que posiciona quem é Lurdes, uma mulher negra de 22 anos que vive na rua desde os seus três anos. A história de Lurdes é marcada por violências, abandonos e negações de direitos. A carta nos conduz à primeira gestação de Lurdes, na qual, apesar de ter realizado os acompanhamentos institucionais previstos na legislação, como a realização do pré-natal e o acompanhamento em uma Unidade Básica de Saúde(UBS), o serviço social do hospital acionou a Vara da Infância e Juventude. A juíza que decidiu sobre o caso descreve que Lurdes seria incapaz de cuidar de uma criança devido à sua situação. A protagonista desse jogo passa um ano lutando para reaver sua criança, entretanto, ao perceber que não teria mais a quem recorrer, restou-lhe apenas sua tristeza.Após essa contextualização, o jogador passará a ser Lurdes e, precisará decidir a sua trajetória. A oficina contou com um computador e um DataShow, com o qual foi possível projetar o jogo e conduzir os alunos a discutir qual seria o caminho mais adequado para que, dessa vez, fosse possível que a protagonista pudesse cuidar de seu bebê.

Período de Realização
Aconteceu entre os dias 11 e 12 de Maio de 2023 em Volta Redonda - RJ

Objetivos
O objetivo da oficina é que o jogador se sensibilize com os desafios que mulheres gestantes, e em situação de rua, atravessam para ter uma vida digna e acesso a meios institucionais de atendimentos à saúde e assistência social para si e suas crianças.

Resultados
Com o passar do jogo, foi possível reconhecer como mulheres como Lurdes, mesmo sendo as cidadãs que mais precisam do amparo do Estado e da sociedade para o exercício da maternidade, têm perversamente suas maternidades mais fiscalizadas por tecnologias de controle de conduta do que outras mulheres.

Aprendizados
A oficina aconteceu em um espaço marcado pela disparidade racial. Havia apenas uma pessoa negra na sala, apenas meu corpo. O curso de medicina no Brasil é reconhecido pelo seu elitismo e sua branquitude. Nesta universidade a mensalidade custa R$ 9.702,00, sendo a mensalidade maior do que sete salários mínimos no país. O jogo utilizado aborda diversos serviços públicos que perpassam a vida de Lurdes, como o Consultório de Rua e o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras drogas. Ao abordar esses serviços, alguns alunos desconheciam suas existências, o que serviu para dialogarmos sobre a formação médica. Esse fato demonstra a complexa relação entre políticas do corpo, biopoder, e uma cultura médica voltada para especialidades. A oficina pode abrir perguntas produzidas pelos alunos como: Para quem a formação é pensada? Quais corpos têm sua presença e violentação naturalizados?

Análise Crítica
A história de mulheres negras como Lurdes e as feridas coloniais abertas produzem um contínuo sofrimento para a população negra. A desumanização sistêmica, causada pelo racismo, descarrega-se em um aparato institucional, na qual os interesses individuais e coletivos das mulheres negras e em situação de extrema pobreza são oficialmente deslegitimados. Portanto, a posição de assujeitamento destinado à mulheres negras as coloca muitas vezes à margem das políticas de cuidado. Ponderar as peculiaridades das dinâmicas hierárquicas de gênero, raça e classe de forma alguma minimiza a violência em corpos de mulheres brancas que gozam de privilégios de classe. Mas trazem contribuições para questões acerca da maneira como certas mulheres são culpabilizadas e punidas. Enxergo nesses aportes metodológicos e teóricos, possibilidades de sensibilização para a construção de um cuidado e a produção de equidade para grupos que foram e são vulnerabilizados.