Comunicação Oral

02/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO20.3 - (In)justiças reprodutivas: maternidades marginalizadas e violadas

47211 - A MATERNIDADE (IN)INTELIGÍVEIS NO ESTADO: QUANDO A MÃE VIRA SUJEITO DE SUSPEIÇÃO?
TÁSSIA ÁQUILA VIEIRA - UERJ, JANAÍNA ROSENBURG GIOSEFFI - UFRJ


Apresentação/Introdução
O presente trabalho está inserido em um debate sobre os significados que moldam a experiência da maternidade pelo Estado, especialmente em relação às maternidades questionadas pelos sistemas de saúde e assistência na cidade do Rio de Janeiro. Assumimos como o tema a regulação, pelo Estado, das mães que acessam a rede de saúde e assistência e cujas maternidades são objeto de processos judiciais de destituição de guarda. Nesse sentido, visa analisar a construção de formas (in)inteligíveis do exercício de maternidades pela gestão estatal que norteia as tomadas de decisões baseadas em regimes morais em diferentes espaços institucionais. Buscamos contribuir para a compreensão a partir de atravessamentos da noção de maternidade destituição sob a ótica da governança reprodutiva, da interseccionalidade e vulnerabilidade individual, social e programática.

Objetivos
Explorar as políticas de reprodução, governança reprodutiva e reprodução estratificada para analisar como a gestão estatal constrói formas (in)compreensíveis da maternidade, guiadas por normas morais institucionais. Investigar as três dimensões de vulnerabilidade (individual, social e programática) enfrentadas pelas mães nesse contexto. Refletir sobre quais corpos são direcionados pelas políticas de reprodução de forma compulsória.

Metodologia
A pesquisa é qualitativa e utiliza o método etnográfico em diferentes espaços institucionais e de acolhimento relacionados aos casos de destituição de mães. Foram realizadas conversas e entrevistas informais com uma pediatra e uma assistente social de um hospital pediátrico municipal. Além disso, foi feita análise documental de relatos, laudos e sentenças relacionados aos casos de destituição. Esses dados serão combinados com uma discussão bibliográfica sobre gênero, raça, classe e vulnerabilidade.

Resultados e discussão
Para abordamos o tema, partimos da seguinte matéria jornalística: “Bebê que nasceu em ônibus no Rio é retirado da família por ordem da Justiça; 'Tomaram meu filho', diz mãe”, foi a manchete divulgada nos principais sites de comunicação no dia 21 de janeiro de 2023. A matéria relatava o caso de Camila, uma mãe que teve seu bebê retirado dois dias após o nascimento quando ela ainda estava na maternidade Hilda Brandão, vinculada ao Hospital Lourenço Jorge, localizado no bairro Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro. A mãe foi proibida de ter contato com seu filho recém-nascido, desconhecendo seu paradeiro e sem receber qualquer explicação prévia. O bebê foi encaminhado a um abrigo, sem qualquer registro ou sua emissão da certidão de nascimento. A família não recebeu informações sobre qual abrigo ele estava, nem sobre as medidas para reaver a criança ou as possibilidades de visita. Ao longo da reportagem, são revelados diversos elementos que induzem uma suspeita sobre o cuidado daquela mãe e também o itinerário burocrático na materialização da destituição.
Examinando a literatura, fica evidente como os mecanismos de regulação estão cada vez mais exercendo controle sobre a vida reprodutiva de certos setores da população de forma diferencial. Isso gera vulnerabilidades individuais, uma vez que as mulheres se veem submetidas a interferências externas, como no caso de Camila e das figuras de "mães abandonantes", em que representantes do judiciário interferem nos cuidados parentais, determinando quem pode ou não ficar com seus filhos. Essa interferência resulta em uma vulnerabilidade individual, pois as mulheres têm sua capacidade de tomar decisões autônomas e exercer o papel de mãe questionada e controlada. Além disso, a vulnerabilidade social também é evidente. As desigualdades de gênero, classe e raça atravessam o processo reprodutivo, ampliando a vulnerabilidade de determinados grupos de mulheres.
Por fim, abordamos a dimensão programática da vulnerabilidade. As técnicas de controle presentes nas dinâmicas reprodutivas oferecem possibilidades de "habitar" as normas ou resistir a elas. No entanto, essas resistências enfrentam obstáculos programáticos, uma vez que as normas estabelecidas são resultado de estruturas de poder institucional arraigadas, resultando em vivências vulnerabilizadas.

Conclusões/Considerações finais
As mães que buscam serviços de saúde e assistência são frequentemente submetidas a questionamentos em relação à sua maternidade em todo o seu processo. Dessa forma, ao considerar as dimensões da vulnerabilidade, este trabalho nos permite compreender melhor as desigualdades presentes no processo reprodutivo. A reprodução estratificada reproduz e reforça essas desigualdades, atravessadas por fatores econômicos, políticos e sociais. Reconhecemos que a reprodução é um espaço onde ocorre controle, opressão e dominação, mas também entendemos que ela vai além dessas dimensões, sendo um processo complexo e politicamente influenciado. É essencial examinar criticamente essas dinâmicas e buscar transformações que promovam a justiça reprodutiva.