02/11/2023 - 13:10 - 14:40 CO20.3 - (In)justiças reprodutivas: maternidades marginalizadas e violadas |
47451 - DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS DE MULHERES COM HIV/AIDS: O CASO DA LAQUEADURA JAMILLE MARIA RODRIGUES CARVALHO - ENSP / FIOCRUZ, SIMONE MONTEIRO - IOC / FIOCRUZ, IARA VELOSO OLIVEIRA FIGUEIREDO - INSTITUTO RENÉ RACHOU / FIOCRUZ
Apresentação/Introdução Em um cenário de políticas de controle de natalidade, houve uma massificação dos procedimentos de esterilização feminina nos países em desenvolvimento. No contexto brasileiro, a laqueadura se tornou popular nas décadas de 1980 e 1990 como o método predominante. A luta pela igualdade de gênero e pelo reconhecimento dos direitos reprodutivos ganhou destaque no Brasil a partir de 1970, durante o movimento de democratização do país. Os grupos feministas desempenharam papel importante nessa luta, buscando desvincular o controle demográfico do planejamento familiar e garantir o acesso a informações, meios e métodos contraceptivos, bem como o direito de exercer a sexualidade e a reprodução sem discriminação, imposição ou violência. Entretanto, a oferta de métodos contraceptivos reversíveis era insuficiente em relação à demanda, os serviços de planejamento familiar eram pouco acessíveis, considerando diferenças regionais e socioeconômicas. Com menor possibilidade de escolha e acesso, muitas mulheres optaram pela laqueadura tubária. Somente em 1996, o planejamento familiar foi incluído na assistência à saúde da mulher por meio do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) e representou uma conquista importante para a saúde reprodutiva como um direito. No caso das mulheres vivendo com HIV/Aids (MVHA), desde 2007 o foco na prevenção da transmissão vertical do HIV tem tido efeitos importantes, contudo, falta uma abordagem mais ampla de saúde que considere sua sexualidade e autonomia de decisões reprodutivas. O contexto de retrocessos e ataques aos direitos reprodutivos que vivenciamos nos últimos anos e as recentes mudanças na política de laqueadura no Brasil, tornam esse debate atual e necessário.
Objetivos Contribuir para o debate sobre direitos sexuais e reprodutivos, utilizando como foco as concepções e práticas sobre laqueadura de MVHA.
Metodologia Trata-se de um recorte da pesquisa, de caráter qualitativo, intitulada “Experiências e perspectivas de mulheres vivendo com HIV/Aids sobre direitos sexuais e reprodutivos”. O projeto foi aprovado por Comitês de Ética em Pesquisa. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com sete MVHA, usuárias da rede pública de saúde no Rio de Janeiro em dois momentos distintos, 2013 e 2018, com intuito de compreender as implicações desses direitos nas relações afetivo-sexuais, na reprodução e na vivência com HIV, somadas a observações nos serviços. Os dados foram analisados com base em contribuições socioantropológicas no campo da saúde.
Resultados e discussão Das sete participantes, duas já passaram pela esterilização e quatro já tentaram ou desejam um dia realizar o procedimento. Entre as motivações para a laqueadura, as entrevistadas mencionaram desejo de encerrar a trajetória reprodutiva e exercer a sexualidade sem o risco de engravidar, além de questões financeiras. Algumas consideram uma forma de evitar preocupações relacionadas à transmissão vertical do HIV, mesmo após receberem tratamento adequado em serviços especializados de saúde. Além disso, a falta de informação sobre outros métodos contraceptivos, como camisinha feminina e diafragma, os efeitos adversos dos contraceptivos orais e injetáveis e os obstáculos no acesso ao DIU, contribuem para o desejo pela laqueadura. Todavia, elas relataram dificuldades de acesso ao procedimento, devido ao tempo de espera, à estrutura do serviço local, à burocracia e posturas baseadas em apreciação moral e subjetiva da equipe de saúde, com casos de desrespeito à legislação vigente. As percepções da equipe sobre a laqueadura e o planejamento familiar influenciam a operacionalização das decisões reprodutivas das mulheres, na medida em que a idade e a trajetória reprodutiva são consideradas pelos profissionais de saúde com base em seus próprios entendimentos da necessidade do procedimento, o que pode resultar em recusas ao encaminhamento. O aspecto definitivo é citado por membros da equipe como radicalidade e surge como entrave em contraponto a permissividade e mobilidade das relações afetivas atualmente. Ademais, as condições estabelecidas para a obtenção da laqueadura são questionadas pelas participantes, pois podem limitar a autonomia reprodutiva das mulheres. Elas defendem que apenas o número de filhos ou a condição socioeconômica deveriam ser os principais critérios para o pedido.
Conclusões/Considerações finais Mesmo com a função social de cuidado da família e a incumbência de planejar e controlar a vida reprodutiva, evitando gravidez não desejada, muitas mulheres tem a autonomia de escolha sobre o próprio corpo cerceadas pelos entraves aqui discutidos. O desrespeito aos direitos sexuais e reprodutivos nesse contexto é reflexo da visão do papel da mulher nos moldes da família tradicional, reproduzido pelas relações de caráter patriarcal. É fundamental garantir o equilíbrio entre a proteção da saúde e o respeito à autonomia reprodutiva das mulheres, fomentando decisões que sejam tomadas de forma informada e consciente.
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