02/11/2023 - 13:10 - 14:40 CO25.3 - Trabalho, trabalhadores e a pluralidade do cuidado: equipes e a relação com saberes e práticas |
46819 - SIGNIFICADOS SOBRE A PRODUÇÃO DO CUIDADO NA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA, EM SÃO PAULO-SP: UM CASO DE ALTERNÂNCIA DE PAPEIS NAS PRÁTICAS DE SAÚDE, MEDIADA PELA RELIGIÃO MARCELO PEREIRA DE BRITO - USP, EDEMILSON ANTUNES DE CAMPOS - USP
Apresentação/Introdução A Atenção Básica (AB) apresenta-se como um dos principais componentes sociopolíticos do SUS, promovendo grande impacto na saúde e desenvolvimento das populações onde é/foi adotada (STARFIELD, 2002), almejando-se mudanças nas práticas clínico-assistenciais, mediante estratégias de reordenação e organização, e apresentando-se como primeiro nível de atenção à saúde (ANDRADE; BEZERRA; BUENO, 2006).
Entretanto, nada garante que as táticas e diretrizes da Estratégia de Saúde da Família (ESF), modelo assistencial da AB fundamentado no trabalho de equipes multiprofissionais em território adstrito, que desenvolve ações de saúde a partir do conhecimento da realidade local e das necessidades de sua população, venham a romper com o modelo biomédico, já que as mudanças preconizadas pelo governo centraram-se na estrutura dos serviços (FRANCO; MERHY 1999; M.S., 2022).
Logo, a produção do cuidado em saúde na ESF somente pode ser compreendida a partir dos diferentes cenários onde encontra-se estabelecida, estimulando-se estudos que valorizem as dimensões socioculturais dos processos saúde-doença.
Objetivos Compreender/interpretar os distintos significados, sobre a produção de cuidado em saúde, presentes nas interações/relações estabelecidas entre usuários e profissionais de saúde na ESF.
Metodologia Realizamos uma etnografia, em uma unidade de ESF, na zona sul de São Paulo-SP (entre 2021 e 2022), com visitas frequentes ao espaço e organização do trabalho mediante análise de observações em diário de campo, entrevistas abertas, conversas informais, bem como acompanhamentos de reuniões de equipe e visitas domiciliares (VD), almejando-se uma abordagem qualitativa que alocasse a esfera das relações em saúde como fenômenos sociais (MINAYO, 2000), de maneira a considerar que estas relações, sob esta ótica, se expressam por meio de significados, sentidos, crenças, valores e experiências dos sujeitos em todos os processos de saúde-doença e encontros clínicos (CAPRARA; LANDIM, 2008).
Resultados e discussão A análise e os trechos de campos de pesquisa que traremos a seguir referem-se a uma VD, realizada na casa da dona Jurema, uma senhora que se encontrava acamada, e sua família. Tal análise, representa um resultado parcial de um trabalho de doutorado, realizado na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.
Esta visita ocorreu acompanhando-se um médico (Ronaldo) negro e adepto da religião de matriz africana da umbanda e uma Agente Comunitária da Saúde (ACS Dandara) também negra, mas que não declarou seguir nenhuma religião, componentes de uma equipe de ESF.
A umbanda” origina-se de um termo banto, configurando uma religião brasileira que, além de pensar componentes históricos da sociedade, se ratifica mediante uma composição de práticas que sincretizam os santos protetores do catolicismo, os espíritos dos indígenas nativos, os orixás africanos, retrabalhando também a ideia de reencarnação contida no espiritismo kardecista. Na umbanda, a manutenção ou enfraquecimento do axé é o que corrobora a pessoa ter saúde ou adoecer. Axé representa uma palavra que significa “força vital (LAPLANTINE, 2001).
Em um dado momento da VD, a Neyde, filha da dona Jurema, e o Ronaldo, dialogaram-se entre si, com o médico iniciando a conversa:
R: - Vocês são espíritas?
N: - Não, eu sou umbandista! Frequento a Umbanda há 46 anos, mas a minha mãe de santo morreu, então estou procurando um centro novo para voltar a frequentar o terreiro!
R: - Eu também! Desde pequenininho! Eu nasci no terreiro (de umbanda)! A minha mãe é mãe de santo!
A Neyde, neste momento sentindo-se mais à vontade, foi mostrando para o médico as plantas e ornamentos que compunham sua casa, explicando a finalidade de cada uma das coisas que estavam por ali. Ao nos dirigirmos ao portão da casa, a Neyde mostrou para todos onde ela guardava suas oferendas para Exu, orixá guardião da comunicação, que faz parte das religiões originárias de África, como do Candomblé e da Umbanda (BARBOSA JÚNIOR, 2014). O médico, ao sair da casa onde a VD ocorreu, relatou ao pesquisador:
R: - Pois é meu caro! É muito interessante ir na casa das pessoas para cuidar, sabe?! A gente vai na casa dos outros, achando que a gente que tá cuidando, mas, no fim das contas, muitas vezes são os outros que tão cuidando da gente! A Neyde mostrar onde ela guarda o Marabô dela, apontou pra mim que eu tenho de cuidar e saudar o meu! Coisa louca, né?
Conclusões/Considerações finais Na VD realizada, aspectos importantes à produção do cuidado na AB/ESF surgiram. Dentre eles, ganhou premência a dimensão sociocultural na produção do cuidado em saúde, onde se foi valorizado, em todo o encontro, os distintos modelos explicativos da doença dos sujeitos em interação, frente aos processos de saúde-doença, reconhecendo-se os distintos significados socioculturais atribuídos por estes (KLEIMAN, 1980) e ressaltando-se a AB/ESF como potente alicerce do SUS para constituição de um modelo alternativo ao biomédico e voltado à integralidade do cuidado.
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