02/11/2023 - 13:10 - 14:40 CO25.4 - Regionalização, intersetorialidade e saúde digital na APS |
48009 - PERCEPÇÕES DOS PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE ACERCA DOS TITULARES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA - ANÁLISES SOBRE ESTIGMAS E RACISMO JULIANA AYRES - UERJ, EVELYNE LOBATO - UERJ, JORGINETE DAMIÃO - UERJ
Apresentação/Introdução Dentre os princípios do SUS previstos na Lei Orgânica nº8080/1990, que o regulariza, estão a igualdade e a equidade no cuidado em saúde, ou seja, não se pode existir discriminações de qualquer instância, ofertando cuidado conforme as necessidades de cada indivíduo, grupo, raça/etnia. É sabido que a população mais SUS-dependente é a população negra. Não coincidentemente, as famílias titulares do Programa Bolsa Família (PBF) também são, em sua maioria, negras e chefiadas por mulheres. O PBF é um programa de transferência de renda focalizado em famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza, que propõe superar a grave problemática das desigualdades sociais no Brasil. Este foi criado em 2003, durante o governo do Presidente Lula, agrupando outros programas sociais já existentes, sendo apontado como estratégia de sucesso na superação da fome. A luta contra a fome envolve garantias de direito à educação, à segurança pública, à saúde. O propósito do PBF e suas condicionalidades é possibilitar acesso a direitos sociais às populações marginalizadas, trazendo visibilidade às barreiras de acesso quando coloca como contrapartida para continuidade de participação no programa a criança estar matriculada na escola e realizar acompanhamento em ações básicas de saúde, tais como vacinação e acompanhamento pré-natal. É uma forma de inserção deste grupo nas dinâmicas sociais, fortalecendo a equidade. Porém, vale ressaltar que a pobreza tem a população negra e indígena como alvos. Neste ponto, é preciso pensar que a complexidade de determinantes que levam à exclusão destes grupos excede às questões de classe social e poder econômico. O assunto é racismo, que não se resolve apenas com acesso à renda.
Objetivos Este trabalho objetivou analisar as percepções dos profissionais da atenção primária à saúde do município do Rio de Janeiro acerca dos titulares do PBF, com foco no racismo e na interseccionalidade, que podem atravessar os olhares desses indivíduos os quais formam e são formados no âmbito de nossa sociedade, marcada pelo racismo.
Metodologia Trata-se de pesquisa com abordagem qualitativa, avaliativa e participativa. Foram realizados 6 grupos focais com 60 profissionais de nível superior e 13 agentes comunitários de saúde (ACS); 5 grupos hermenêuticos, para validação das narrativas e aprofundamento das discussões e um encontro de avaliação. Para cada grupo foram construídas narrativas a partir da síntese dos núcleos argumentais presentes nas falas.
Resultados e discussão O racismo é herança da época escravagista e segue sendo um projeto político e ideológico de base do sistema capitalista, que tem por objetivo perpetuar a concentração de dinheiro e poder nas mãos de pessoas da raça branca, em detrimento e às custas da vida, da dignidade e do bem-estar social de pessoas negras e indígenas. As narrativas dos profissionais revelam os atravessamentos de raça e gênero no acompanhamento do PBF, mesmo que a cor da pele dos usuários não tenha sido citada. Basta refletir sobre as hierarquias sociais, para que se saiba do que está sendo reproduzido. As falas dos profissionais ressaltam a culpabilização e críticas morais, fortemente relacionadas às mulheres. É interessante perceber como as falas trazem um retrato do que a sociedade pensa das pessoas pobres e negras. Preguiça, inércia, sujeira. Os estigmas foram muito evidentes, até por parte dos ACS, que moram no mesmo território, mas se veem numa posição social diferenciada. Isso evidencia a lógica da outridade: esse outro ser muito distante da realidade dos/as profissionais, praticamente uma aberração, um selvagem que não sabe seguir as regras de modo civilizado, que deveria ser grato por estar incluído no Programa como um “favor” que o Governo lhe faz, e o mínimo que a mulher precisa fazer é levara criança para pesar e medir: “A mãe não dá banho, a criança está suja, cheia de impetigo, com sarna, mas a mãe está com a unha feita, com o cabelo feito. (...) Ela está linda, mas a criança está numa condição horrorosa.”; “Se não vai a consulta a culpa é da equipe. O profissional de saúde tem que puxar pelo braço, carregar no colo.”; “Sem receber dinheiro a pessoa não precisa de nada, mas se recebe, tem que ter responsabilidade.”.
Conclusões/Considerações finais Não é possível cumprir com o que preconizam os princípios do SUS e da Constituição Federal Brasileira se não superarmos o racismo. A maior parte da população brasileira é negra. O poder e a emancipação serão devolvidos ao povo negro e indígena a partir da disseminação da verdadeira história. A superação do racismo no SUS demanda ações de formação nas instituições como escolas, universidades, unidades de saúde, sendo urgentemente necessária a implementação, de fato, da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, por parte dos gestores e dos profissionais de saúde, estratégia fundamental para tal objetivo.
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