Comunicação Oral

02/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO26.2 - Maternidades negras insurgentes, complexas e desafiadoras

46241 - MULHER NEGRA GRÁVIDA EM SITUAÇÃO DE RUA E O ATENDIMENTO DA EQUIPE DO CONSULTÓRIO NA RUA, NA CIDADE DE SANTOS, SP: VÍNCULOS E DESAFIOS
MARILDA PAIXÃO ISAIAS DOS SANTOS - UFSCAR, ROSALINA BURGOS - UFSCAR, ROSANA BATISTA MONTEIRO - UFSCAR


Apresentação/Introdução
Esse texto é um recorte de pesquisa em andamento que tematiza mulheres negras com trajetória de rua e a construção do processo de levante das calçadas – movimento processual de saída das ruas, feito de elementos como força e re-existência, em busca da defesa do corpo e da mente. Efetivado por ancoragem, amor e solidariedade, atrelados ao esforço adaptativo de manutenção do corpo em defesa da vida. Além disso, tem a atuação da equipe do Consultório na Rua (eCR) nos termos da Nota Técnica Conjunta 01/2016, dos Ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Social, que preconiza diretrizes, fluxos e fluxograma para a atenção integral às mulheres e aos adolescentes em situação de rua e/ou usuários de álcool/outras drogas e seus filhos recém-nascidos.
Será tratado o processo de atendimento, acolhimento e encaminhamento por parte da eCR de uma mulher negra em sua décima primeira gravidez. Ressalta-se que todas as outras gestações foram levadas a termo, e o último filho, único bebê, está sob sua guarda e poder familiar da mãe.


Objetivos
Investigar os condicionantes sociais, econômicos, políticos e psicológicos presentes no deitar-se e no levante das mulheres negras nas calçadas.

Metodologia
Pesquisa qualitativa por meio de coleta de dados realizada com registro e estudo de narrativa de memórias de vida e entrevista semiestruturada de uma das participantes, denominada Iansã. Mulher negra, primeira gestação aos quinze anos, semianalfabeta, com trajetória de rua. Atribui ao eCR a concretização do desejo de permanência com o 11º filho e de estar viva gozando de saúde física e mental. A análise dos dados se deu pelo agrupamento temático de trechos com tais categorias: ser mulher e negra na rua, gestação, renda e outros elementos subjetivos e objetivos envolvidos no processo de levante das calçadas.

Resultados e discussão
Destaca-se que a mulher em situação de rua, caso seja do seu desejo, efetiva em plenitude a maternagem. As ações estabelecidas com as eCRs podem ser fios invisíveis que amarram o sujeito à vida, funcionando como potencializadores para a construção de estratégias e planejamentos para o levante das calçadas e a guarda da criança. Abaixo, segue trecho da entrevista:
“[...] entrava dentro daquela van e um medo de quando ela subia o morro, elas me levava [sic], nunca desistiu de mim. Levava eu pra fazer o pré-natal todo mês, semana, é ultrassom, exame de sangue, sífilis, tudo. [...] tudo um vínculo, elas não desiste [sic] da mãe com o seu filho. Usuária de droga principalmente negra, porque a gente somo [sic] muito, assim, que eu posso falar... a palavra certa... discriminada por ser negra, pobre e usuária de droga... [...] E é isso, gente, é uma alegria e tanto assim, hoje eu sou feliz, eu tendo o meu trabalho, meu filho na escola, tá comigo, toda hora eu fico, sabe, admirando ele e é assim.”

No entanto, a ausência de ações vinculadoras e encaminhamentos, na maioria das vezes, acarreta a destituição do poder familiar, a não efetivação do pré-natal, novas gestações e o adoecimento físico e mental. O Brasil, há muito tempo, apresenta histórias de famílias que têm a situação de rua como experiência intergeracional. Isso é explicitado no trecho abaixo:
“Qual é a parte que eu não entendo da justiça? Analfabeta, negra [...] eles não deixavam, eles não perguntavam para mim se eu queria um tratamento, eles não perguntavam se eu queria a criança. É tipo um ser humano sem sentimento, né? Nessa brincadeira toda foi [sic] dez filhos que eu perdi para a justiça.”


Conclusões/Considerações finais
A oferta da Política Pública de Saúde, via eCR, representa proteção à saúde física e mental do indivíduo. Além disso, é potencial fio-condutor para o processo de levante das calçadas, importante para a apresentação da mulher negra, muitas vezes esquecida nos processos da Vara da Infância e da Juventude enquanto cidadã de direitos e destinatária de proteção. Tal ação, pode ser facilitadora da proteção dos direitos da dupla mãe e criança.
Por fim, destaca-se a baixa capilaridade nacional dos Consultórios na Rua e a necessidade de constante aprimoramento técnico e metodológico das eCRs a partir do contexto de atuação e da prática profissional cotidiana. Ademais, explicita-se a necessidade de investimento com contratação e manutenção de corpo técnico e operacional, além de insumos materiais, carros, equipamentos, entre outros, para a prestação desse serviço.