02/11/2023 - 13:10 - 14:40 CO26.2 - Maternidades negras insurgentes, complexas e desafiadoras |
46541 - MULHERES NEGRAS E A VIOLENTA INTERVENÇÃO DE AFASTAMENTO DE SEUS BEBÊS: UMA ATUALIZAÇÃO DA CAÇA ÀS BRUXAS? JÚLIA MUNIZ DE ALVARENGA - UERJ, GIOVANNA MARAFON - UERJ
Apresentação/Introdução Uma série de acontecimentos, deflagrados por discursos e práticas que evocam a noção de perigo, têm envolvido em um mesmo campo problemático, a situação de mulheres negras que, quando estão em situação de rua e grávidas, são questionadas sobre a possibilidade de exercerem a maternidade, em função da sua possível relação com as drogas e/ou devido à presença de questões relativas à saúde mental.
Objetivos O presente trabalho tem como objetivo investigar o que atravessa as situações de encaminhamentos de mulheres negras em situação de rua, para avaliação e intervenção do poder judiciário, considerando que há um tratamento diferenciado e privilegiado quando se trata da mulher branca grávida, também com possível relação com a droga e/ou com quadro saúde mental.
Metodologia Para tanto, constituímos um plano de pesquisa que pretende analisar algumas observações de uma das autoras na experiência profissional como psicóloga no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), entre os anos de 2016 e 2022, na assessoria técnica a Promotoras(es) de Justiça da Infância e Juventude quanto às reuniões do Fórum Maternidade, Uso de Drogas e Convivência Familiar da cidade do Rio de Janeiro.
Resultados e discussão O referido Fórum surgiu em 2013, a partir da iniciativa de profissionais do Serviço Social que atuavam nas maternidades públicas da cidade, com o apoio do respectivo conselho profissional. Sobre essa fase inicial do Fórum, Andreia Silva, Júlia Alvarenga e Kelly Murat (2020) resgataram relatórios da equipe técnica do MPRJ relativos a uma reunião do Fórum ocorrida em 2013, em que assistentes sociais de três maternidades apresentaram dados do período entre janeiro e junho daquele ano: "dos cinquenta e três partos de mulheres jovens em situação de rua, apenas quatorze bebês ficaram sob os cuidados de suas genitoras” (SILVA, ALVARENGA e MURAT, 2020, p. 91). Devido à gravidade do cenário e com o avanço dos debates, em 2014 passaram também a compor o Fórum a representação do Conselho Regional de Psicologia (CRP-RJ) e outras/os profissionais das áreas de: saúde, assistência social, Conselho Tutelar, Tribunal de Justiça, Ministério Público e Defensoria Pública.
Durante os seis anos de participação regular de uma das autoras no Fórum, foi possível perceber que o diálogo entre os atores do Sistema de Garantia de Direitos favorecia a construção de rede e fluxos entre profissionais, o que, em alguns períodos, gerou uma redução do número de encaminhamentos de mulheres grávidas das maternidades, ou com recém-nascidos, para o judiciário. Porém, esses números voltaram a subir, segundo os relatos do Fórum, devido à falta de investimento e escassez de recursos públicos dos serviços envolvidos no atendimento às mulheres. Também foi mencionado no Fórum que as mulheres não estavam chegando às maternidades, provavelmente devido ao medo da judicialização. O que se repete em todas essas situações?
Lélia Gonzalez (2020) aponta que o racismo atravessado pelo sexismo está na formação cultural brasileira e opera como uma tentativa de domesticação das mulheres negras. Para compor com a Lélia, resgatamos o que Silvia Federici (2017) explica sobre a caça às bruxas e como foi uma estratégia muito utilizada na colonização das Américas e que tinha como intuito a desumanização dos povos indígenas e da população negra. Na análise que a autora faz dessa estratégia, demonstra como os colonizadores associaram a imagem da mulher negra à bruxa, pois faziam outros usos da sexualidade e de seus corpos e, por isso, eram consideradas uma ameaça e alvo de perseguição.
Conclusões/Considerações finais A partir dessas análises, entendemos que a tentativa de controle do Estado sobre as mulheres negras que vivem nas ruas, quando grávidas ou com seus bebês recém nascidos, com justificativa da impossibilidade do exercício da maternidade pela suposta relação com as drogas ou com quadros de saúde mental, relaciona-se com o racismo e o sexismo presentes desde a caça às bruxas, porém atualizada e mascarada como cuidado. Parece-nos necessário e urgente localizar a constituição desse sistema colonial violento para pensar políticas públicas centradas no enfrentamento à desigualdade das relações raciais e de gênero no Brasil.
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