Comunicação Oral

02/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO30.2 - Diálogos entre saúde, cuidado e cultura

47742 - ENCONTROS COM A CIDADE: CARNAVAL, ARTE, CULTURA E O CUIDADO EM SAÚDE MENTAL
JOÃO GABRIEL TRAJANO DANTAS - UFSCAR, SABRINA HELENA FERIGATO - UFSCAR


Apresentação/Introdução
A institucionalização da loucura e as práticas manicomiais produziram efeitos devastadores na vida comunitária na cidade, pois exclui, a um só tempo, uma diversidade de corpos que importam ao convívio social urbano. Ademais, este processo de exclusão social também refletia na vida das pessoas submetidas à institucionalização, especialmente no que diz respeito ao estreitamento do acesso e do exercício de direitos sociais essenciais à estruturação da vida cotidiana como: “o trabalho, ao lazer, à cultura, e aos espaços de representação social e política, portanto, da participação no pacto social.” (AMARANTE, NUNES, 2018, pg. 1012-1013)
Por mais que os movimentos de reforma psiquiátrica representem avanços notáveis no que diz respeito à sistematização do cuidado em saúde mental, é oportuno reiterar o alerta de Foucault (2019): os jogos de exclusão são reencontrados, ou ainda, atualizados, impondo novos desafios a serem superados em cada tempo, em cada sociedade.
Neste sentido como expressões artísticas, culturais e políticas que acontecem nos espaços urbanos públicos podem colaborar com as reflexões sobre a produção de cidadania, inclusão, participação social e cuidado em saúde mental?


Objetivos
Analisar como uma ação cultural que interseccione o campo da saúde mental pública com espaços públicos da cidade pode favorecer a produção do cuidado em liberdade que fortalece o acompanhamento em saúde mental das pessoas com transtornos mentais.

Metodologia
Este trabalho integra a tese de doutorado em andamento intitulada: “Quando a saúde mental encontra com a cidade: Poéticas e resistências no espaço urbano”. Trata-se uma pesquisa-intervenção de caráter qualitativo e exploratório. Está localizada dentro de uma perspectiva (ethos) cartográfica (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2009).
A incursão do pesquisador se deu por meio do acompanhamento da preparação do bloco carnavalesco “Doido é Tu!” (BDT) para o desfile na Avenida Domingos Olímpio durante a programação de carnaval da prefeitura de Fortaleza-CE.
Foram realizadas entrevistas com quatro profissionais da saúde mental e um usuário que participaram da ação cultural em destaque. As entrevistas foram transcritas e analisadas por meio da técnica: interpolação de olhares (AZEVEDO, 2012).
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) sob o número 5.499.051, atendendo a preconização da resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1997), que regulamenta os aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos.


Resultados e discussão
O BDT existe desde 2007, é apontado como o primeiro bloco de carnaval do Brasil composto majoritariamente por usuários e profissionais dos serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), especialmente os CAPS, mas também engloba a participação de familiares, profissionais de saúde mental e pessoas da comunidade (SECULT-CE, 2023).
O tema do samba enredo do ano de 2023 foi: “essa comédia é cearense”. Os carros, as fantasias e a letra da música homenageavam e um dos grupos de teatro mais antigos do Brasil (1934-2023), o grupo “Comédia Cearense”, revelando uma relação próxima com a cultura popular local.
Participam das oficinas preparatórias usuários e profissionais da RAPS, artistas locais e comunidade em geral. As fantasias e adereços foram produzidos pelos usuários e profissionais nos meses que antecederam o carnaval. A oferta de espaços que mobilizam a criatividade e o fazer humano, quando olhadas por meio da perspectiva das atividades humana potencializam ainda mais a ação cultural do bloco, pois confecção de fantasias leva consigo: as características pessoais de cada usuário, produz sociabilidades, desenvolve habilidades, se coloca como um meio de expressão de si, dotado de significado e sentido, que também caminham na direção da produção de cuidado em saúde mental.
Os ensaios da bateria do BDT foram realizados, em sua maioria, numa praça da cidade, aspecto que favorece a promoção de uma convivência plural e diversa, onde diferentes pessoas podem compartilhar o uso comum de um espaço urbano, aspecto que também reflete na redução do estigma social que a população que frequenta serviços de saúde mental enfrenta.


Conclusões/Considerações finais
Ações artísticas e culturais que envolvem pessoas com transtornos mentais, profissionais e comunidade em espaços públicos podem alargar e aquecer a sistematização do cuidado em saúde mental sustentados pela produção de liberdade (NICÁCIO, CAMPOS, 2007) e pelo direito à cidade (LEFEBVRE, 2001; HARVEY, 2012).
Deste modo, pensar em ações em saúde mental que contribuam com a produção de uma convivência que misturem comunidade, profissionais, gestores, artistas, pessoas com transtornos mentais, pessoas com deficiência, etc. também se mostra imprescindível para a construção de um projeto de cidade diverso e plural.