Comunicação Oral

02/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO32.2 - Decolonialidade e psicanálise

46486 - RECUPERAÇÃO EM SAÚDE MENTAL: UTOPIA OU HORIZONTE POSSÍVEL?
LAÍS CHAGAS DE CARVALHO - ISC / UFBA, MÔNICA DE OLIVEIRA NUNES - ISC / UFBA


Apresentação/Introdução
Segundo a racionalidade biomédica tradicional, a recuperação da pessoa que possui um transtorno mental grave tende a ser vista como utopia, pois o sujeito sempre estará vulnerável a uma nova crise, sendo a cura uma meta quase impossível. Entretanto, a partir da luta dos movimentos sociais de usuários, trabalhadores e familiares por uma sociedade sem manicômios, um novo conceito surge, visando romper com a ideia de ‘cura’ e passando a compreender o processo pós-crise como um movimento contínuo. O conceito de ‘recuperação’ se ancora na busca pela reconstrução da vida através do suporte mútuo, autonomia, resgate da autoestima, acesso a bens e serviços, luta e garantia de direitos sociais, dentre outros.

Objetivos
identificar, na literatura científica, possibilidades de recuperação traçadas pelas pessoas em sofrimento mental em busca da sua emancipação social, política e afetiva.

Metodologia
Esta revisão sistemática está vinculada ao projeto de tese “Narrativas de recuperação de pessoas em sofrimento psicossocial a partir de grupos de suporte de pares: a Comunidade De Fala”. Foram utilizadas as bases de dados Medline, Lilacs e BDENF a partir do cruzamento dos descritores (Recovery AND Mental Health, totalizaram 291 artigos), (Mad Studies AND Mental Health, totalizando 24 artigos) e (Peer Suport Groups AND Mental Health, que totalizaram 11 artigos), através dos seguintes critérios de inclusão: artigos gratuitos completos dos anos de 2017 à 2022) em inglês, português e espanhol. Foi realizada uma adaptação do instrumento Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA). Foram selecionados 37 artigos a partir da adequação ao tema e objetivo propostos.

Resultados e discussão
Dos artigos selecionados, 20 versavam sobre o processo e estratégias de recuperação em países europeus como: França, Dinamarca, Inglaterra, Suécia e Holanda, assim como países norte-americanos. O único país asiático foi a China e não existiram estudos brasileiros a partir dos descritores ‘Recovery’ AND ‘Mental Health’. Os estudos trouxeram experiências como o ‘Housing First’, enquanto estímulo ao acesso de pessoas com transtornos mentais graves a programas de moradia assistida, como direito fundamental necessário às possibilidades de recuperação. Outra iniciativa potente foi o ‘self-management’, em que usuários em sofrimento mental grave desenvolviam suas capacidades de ‘autogestão’ dos problemas de saúde mental a partir do suporte de equipes de saúde mental. As Equipes de Resolução de Crise na Inglaterra também se mostraram eficientes para o fortalecimento da emancipação das pessoas em sofrimento mental a partir da construção de espaços de sociabilidade e cooperação. Já a experiência chinesa expôs a força das redes sociais do mHealth e WeChat entre pessoas que vivem com esquizofrenia, demonstrando que entre pessoas com tendência ao isolamento, a internet pode ser um elo capaz de estimular a interação entre as pessoas e o mundo. A partir dos descritores ‘Mad Studies’ AND ‘Mental Health’, diferentes países como Índia, Itália, Nigéria e Brasil trouxeram contribuições quanto aos estudos sobre a loucura, enfatizando o papel do estigma de familiares, amigos e colegas de trabalho, assim como do auto-estigma, na cronificação e agravamento clínico. Estudo realizado no Canadá com pessoas LGBTQ demonstram que o estigma do transtorno mental se encontra somado ao estigma de gênero, orientação sexual, identidade... isolando essas pessoas até mesmo quando estão inseridas na comunidade LGBTQ. Dois estudos sobre a ‘narrativa’, enquanto tecnologia chave para recuperação, estudaram a potencialidade e limitação desse gênero discursivo na produção de textos de recuperação, que por vezes se apresentam de modo engessado no que se refere a criação de condições favoráveis à liberdade, empoderamento e emancipação das pessoas. Com o uso dos descritores ‘Peer Suport Groups’ AND ‘Mental Health’, 10 estudos foram encontrados, sendo, em sua maioria, experiências brasileiras com o grupo de ‘Ouvidores de Vozes’, mas também experiência Alemã e Inglesa. Foi demonstrada a relevância do compartilhamento de experiências com as vozes, que possibilitou construções de estratégias individuais e coletivas para o seu manejo, em especial quando as vozes eram ameaçadoras, intrusivas e hostis. Redes virtuais de ajuda-mútua entre pessoas que ouvem vozes (ex: ‘Intervoice’) se mostraram significativas.

Conclusões/Considerações finais
Diferentes estratégias e políticas de recuperação vêm sendo implementadas mundialmente, com experiências exitosas capazes de serem reproduzidas em contextos semelhantes, entretanto, foi possível identificar que desigualdades sociais, iniquidades em saúde, racismo, estigma... são entraves ao processo de recuperação que precisam ser priorizados pelo poder público, assim como pela sociedade civil para que a garantia de direitos seja base necessária à recuperação enquanto processo emancipador possível.