Comunicação Oral

02/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO32.2 - Decolonialidade e psicanálise

46533 - EXPERIÊNCIA PSICANALÍTICA EM UM GRUPO GAM: O QUE OS PSICOFÁRMACOS SILENCIAM?
KLECIA RENATA DE OLIVEIRA BATISTA - FAULDADE PIO DÉCIMO


Apresentação/Introdução
O grupo de Gestão Autônoma da Medicação – grupo GAM – é uma estratégia que está de acordo com os fundamentos da Reforma Psiquiátrica no Brasil e com as políticas públicas de saúde mental daí resultantes. A criação de serviços substitutivos que ofertam cuidado em saúde mental representa um grande avanço do ponto de vista da reforma, mas a existência desses serviços, por si só, não é suficiente. Afinal de contas, é preciso considerar a possibilidade de que o funcionamento desses serviços reproduza a lógica manicomial.
Nesse sentido, faz-se importante que as equipes que compõem os serviços substitutivos lancem mão de estratégias antimanicomiais e, portanto, que trabalhem em prol da produção de autonomia. O grupo GAM configura-se como uma dessas estratégias, na medida em que questiona o recurso à medicação psiquiátrica como forma privilegiada de tratamento. Na base da proposta do grupo, está o entendimento de que o uso dos psicotrópicos funciona como uma estratégia de controle disciplinar dos corpos, na medida em que “acalma” os pacientes através de uma sedação química. Em outras palavras, pode-se afirmar que a medicação psiquiátrica silencia o sujeito que sofre, muitas vezes inviabilizando a possibilidade de uma clínica possível.


Objetivos
Analisar a forma como os usuários de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) se relacionam com os medicamentos prescritos pelo psiquiatra do serviço, identificando o lugar desses medicamentos em suas histórias de vida

Metodologia
Trata-se de uma pesquisa-intervenção, uma vez que pressupõe uma indissociabilidade entre a produção de conhecimento e a realização de intervenções sobre o problema a ser pesquisado. A pesquisa-intervenção busca, através do uso de ferramentas coletivas, promover ações de fragmentação dos sentidos instituídos, permitindo que novos sentidos se produzam. Para que isso aconteça, é necessário que o pesquisador conheça previamente seu campo, em relação a aspectos históricos, políticos e conjunturais. O eixo teórico que norteia a produção de conhecimento é a psicanálise. Ou seja, a realização do grupo GAM tem como solo fundamental a instauração de uma experiência psicanalítica em seu parâmetro mais básico: uma experiência transferencial. A instauração do lugar de suposto saber da pesquisadora por parte dos usuários permite a produção de uma compreensão acerca da relação destes usuários com o serviço e com as medicações prescritas. Para além disso, nessa relação surgem as narrativas singulares acerca do sofrimento e a possibilidade de construção de outras formas de lidar com esse sofrimento.
Assim, a metodologia da pesquisa-participante se concretiza pelo uso da cartilha do grupo GAM como ferramenta mobilizadora. As reuniões do grupo acontecem uma vez por semana e conta com a participação de 15 (quinze) usuários do CAPS Pedro Bispo da Cruz, no município de Barra dos Coqueiros/SE. Todos os participantes fazem uso de medicações psiquiátricas e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), concordando com o uso das informações produzidas nas reuniões do grupo para fins de produção científica.

Resultados e discussão
Os resultados da pesquisa apontam para a necessidade de uma compreensão psicossocial do sofrimento. A escuta das narrativas produzidas no grupo GAM mostram a inviabilidade de um tratamento centrado em um suposto desequilíbrio químico, que justificaria o recurso aos psicofármacos como solução para uma “doença mental”. Além disso, as narrativas produzidas no grupo GAM convocam os profissionais do serviço a produzir formas ampliadas de intervenção, escapando da lógica de uma causalidade orgânica ou psíquica para o adoecimento psíquico. Do ponto de vista específico para os profissionais de psicologia/psicanálise, emerge a necessidade de repensar a aposta em um psiquismo interiorizado, independente dos condicionantes históricos, políticos e sociais. É possível identificar, nos relatos dos sujeitos participantes, que o início da trajetória como usuário de medicamentos psiquiátricos está atrelado a condições de existência marcadas pelas diversas formas de violência estruturantes de nossa sociedade, destacando-se, no caso do grupo pesquisado, o racismo e o patricarcalismo.

Conclusões/Considerações finais
Os relatos dos sujeitos que usam os medicamentos psiquiátricos prescritos mostram o uso político dessas substâncias, na medida em que silenciam a forma como seus corpos, comportamentos ou sentimentos denunciam as violências às quais somos todos submetidos em nossa sociedade contemporânea.