Comunicação Oral

02/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO32.2 - Decolonialidade e psicanálise

47421 - A PSICANÁLISE COMO PROPOSTA DE SUBVERSÃO DA RAZÃO DIAGNÓSTICA
FILIPE SILVA STEFFENS GURGEL - APOLA SALVADOR, LUCAS CAROSO MARQUES - APOLA SALVADOR


Contextualização
A Reforma Psiquiátrica Brasileira pretende a substituição do modelo manicomial pelo modelo psicossocial. O modelo manicomial, que promove a máxima distância entre a loucura e o social (destituindo os ditos loucos de suas qualidades de Sujeito, de possibilidades de participação social e de exercício da cidadania), está historicamente atrelado à psiquiatria positiva. Esta última é uma disciplina que, em ordem de oferecer uma resposta às supostas “patologias” mentais, agencia o que pode ser denominado como uma redução biológica. Este procedimento supõe que a etiologia dos padecimentos mentais deveria centrar-se no corpo biológico e que este último deve ser concebido como o seu objeto de intervenção. Tratam-se de modelos marcados por uma concepção de sujeito individualista, bem como por uma epistemologia naturalista. Por outro lado, temos o modelo psicossocial empreendido pelo movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira, o qual é caracterizado pela desinstitucionalização (cuidado em liberdade), pela clínica ampliada e pela identificação do psíquico com o social. Em função deste posicionamento, o modelo psicossocial alinha-se não só às propostas do campo da Saúde Coletiva, como também da Psicologia Social, na medida em que coloca o espaço social como lugar privilegiado de articulação do processo saúde-doença (MEZZA, 2022).

Descrição
A psicanálise faz parte deste vasto campo contraditório da saúde mental, assim como do campo da psiquiatria, como podemos ver sua longa contribuição na gramática dos diagnósticos do DSM I ao DSM III. A psicanálise articula trocas entre estes campos através de conceitos, metodologias, diagnósticos, semiologias e até mesmo hipóteses etiológicas. Essas trocas passam a desaparecer a partir do momento em que a psiquiatria avança com uma epistemologia naturalista (DECKER, 2007). Com isso, propõe a ideia de que a classificação pode resumir o diagnóstico e a etiologia não leva em conta o campo social para compreensão do sofrimento humano. Do mesmo modo, a psicanálise fez parte da história de movimentos antipsiquiátricos como, por exemplo, a constituição da Clínica La Borde na França ao trazer seus conceitos e metodologias justamente para contradizer uma perspectiva psiquiátrica que abstrai o sujeito de seu meio social e sua narrativa (GABARRON-GARCIA,2023). Neste panorama, nos parece pertinente que a psicanálise possui aparato conceitual e crítico para colocar-se como a possibilidade de uma subversão da razão diagnóstica vigente.


Período de Realização
Dezembro 2022 – atual.



Objetivos
Deste modo, esta pesquisa objetiva apresentar duas perspectivas dentro do campo da psicanálise que se defrontam com a razão diagnóstica naturalista, por incluir as pesquisas das questões sociais e culturais como determinantes para compreensão do sofrimento humano. A primeira perspectiva é a ideia de “Patologias do Social” (2018) que se apresenta através do grupo de pesquisa da USP Latesfisp, organizado por Christian Dunker, Vladimir Safatle e Nelson da Silva Jr. e, em contrapartida, a perspectiva introduzida pelo Programa de Investigação Científica (PIC) (2019, APOLa) da sociedade psicanalítica Abertura Para Outro Lacan (APOLa). O intuito é analisar como a psicanálise pode servir como proposta de subversão da razão diagnóstica medicalocêntrica e normativa do modelo manicomial.


Resultados
Em função de uma análise das diferentes respostas à razão diagnóstica naturalista introduzidas pelo campo psicanalítico, este trabalho habilita uma leitura crítica que permite diferenciar posições assumidas e suas respectivas convergências com as diretrizes da Reforma Psiquiátrica Brasileira. A porposta da "Patologias do Social" pretende articular a ideia de que os modos de sofrimento humanos se formam desde o social, assim como a realizar a reformulação de uma psicopatologia crítica; Já o PIC de APOLa carrega alguns elementos que a tornam destacável em termos de potência na articulação com a Psicologia Social e com o campo da Saúde Coletiva. Este projeto é marcado por um diagnóstico de época que aponta como tendências que operam na origem do sofrimento que a psicanálise enfrenta, dentre outras coisas, o individualismo e a biologização, assim como propõe uma concepção de Sujeito (em imisção de outridade) que suporta um estreito diálogo com a clínica habilitada pelos pressupostos da Reforma Psiquiátrica Brasileira.

Aprendizados
O aprendizado deste trabalho ainda se encontra em construção na busca de abrir a possibilidade de um novo campo de articulação entre psicanálise, saúde mental e reforma psiquiátrica.

Análise Crítica
As duas propostas se fundamentam considerando a determinância do social para compreensão da forma que os modos de sofrimento se estabelecem, realizando uma crítica das descrições pretensamente realistas de uma epistemologia naturalista que perdem de vista a dinâmica social, e imobilizam o campo de possibilidade do sujeito. Contudo, as duas apresentam certos limites que podem ser repensados através de uma maior contribuição das pesquisas e experiências no campo da Reforma Psiquiátrica